Tutela de urgência: riscos de um pedido do tipo
Paula Aranha Hapner
A parte que pleiteia tutela de urgência deve estar ciente dos riscos de sua responsabilização caso a medida seja revogada posteriormente. Afinal, não apenas estará sujeita ao pagamento das verbas de sucumbência (como despesas processuais e honorários advocatícios). Indenizar todos os danos que a efetivação da medida solicitada tiver causado à parte contrária é outra implicação.
Primeiramente, a obrigação deriva do disposto no art. 302 do Código de Processo Civil. A fim de esclarecimento, tal artigo estabelece a responsabilidade objetiva pelos danos causados à parte adversa. Isso independentemente de má-fé, dolo ou culpa do requerente da tutela provisória.
De todo modo, a mensuração dos danos ocorrerá caso a caso. Ainda assim, a doutrina e a jurisprudência admitem que, na investigação dos danos, sejam considerados:
- danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes);
- danos morais, ainda que o lesado se trate de uma pessoa jurídica e não de uma pessoa física.
O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, confirmou esse entendimento, noticiado pela revista Consultor Jurídico (Conjur). No caso, uma empresa farmacêutica foi impedida de comercializar um medicamento em razão da concessão de uma tutela de urgência, revogada 16 meses depois.
Os ministros da Corte Superior destacaram que a reparação dos prejuízos da empresa deve ocorrer de forma integral. Além disso, que os danos, apurados na chamada fase de liquidação do processo, poderão incluir os de ordem moral. Prejuízos causados à imagem da empresa entram neste cenário.
Entendendo as implicações de pedido de tutela de urgência
São recorrentes os casos em que a parte autora, inadvertidamente, pede a antecipação do seu direito em caráter provisório sem se dar conta dos riscos de uma futura sentença de improcedência.
Em 2012, o STJ reconheceu a responsabilidade de um shopping de Brasília indenizar um restaurante em razão de uma tutela de urgência que o juiz de 1ª instância havia concedido e posteriormente revogado1. O estabelecimento ficou interditado por período superior a 1 ano. Dentre os prejuízos reconhecidos antes mesmo da fase de liquidação, constaram:
- o valor mensal da locação do imóvel que ficou fechado;
- rescisão de contratos de trabalho;
- perda de estoque e mercadorias;
- despesas com o consumo de energia, água, taxas de condomínio, impostos e fornecedores;
- danos morais devido à repercussão à imagem, honra e reputação do restaurante.
Vale destacar que a liminar foi reformada pelo próprio juiz de 1.ª instância, em 2008. Caso o entendimento somente tivesse sido revertido no STJ, o shopping teria de arcar com os prejuízos do restaurante impedido de funcionar por um período de 5 anos.
Outros casos
Também são frequentes nos tribunais tutelas de urgência relativas ao abatimento do valor de mensalidades. Por exemplo, no setor da educação (escolas e universidades privadas) e da saúde (planos de saúde).
No que se refere às instituições de ensino, a pandemia da COVID-19 motivou diversos pedidos de abatimento da mensalidade em razão da alteração da forma da prestação dos serviços. Originalmente presenciais, passaram a ser virtuais ou provisoriamente suspensos.
Caso a parte tenha obtido os efeitos de uma tutela de urgência, deverá estar ciente de que o eventual julgamento de improcedência da demanda terá o efeito automático de a responsabilizar pelo pagamento dos valores que ficaram pendentes. Além disso, pagamento de outros eventuais prejuízos comprovados pela instituição.
No setor da saúde, situação análoga ocorre em razão do abatimento de valores das mensalidades por supostos reajustes que o poder judiciário entenda, em cognição sumária, como indevidos, mas, posteriormente, reconheça o seu cabimento.
Quanto aos planos de saúde, as tutelas de urgência obtidas para o custeio de tratamentos pelas operadoras, se vierem a ser extintas, sujeitam o requerente à indenização pelos gastos com a efetivação da medida.
Em 2019, o STJ reconheceu o direito de operadora de plano de saúde de ser ressarcida pelo beneficiário em R$ 33.884,64. Neste caso, valor correspondente ao custo de cirurgia bariátrica realizada.
Efeitos e exigências
Em termos jurídicos, a revogação de qualquer tutela de urgência produz efeitos ex tunc e deve levar ao retorno do status quo ante. Em outras palavras, é como se a tutela jamais tivesse sido concedida. A apuração dos danos deverá considerar qual teria sido o curso normal da relação jurídica caso a interferência judicial não tivesse existido.
É importante ressaltar que caberá à parte prejudicada pela efetivação de uma tutela de urgência, posteriormente reconhecida como indevida, pleitear a sua indenização. O pedido poderá ser feito no mesmo processo. Assim, dispensa-se a necessidade de uma nova ação.
A lei exige uma fase processual de liquidação. Nela, o juiz, ordinariamente, nomeia um perito de sua confiança para a apuração dos danos. Nos casos em que a apuração derivar de mero cálculo aritmético, no entanto, tem sido admitido o início imediato da fase de cumprimento de sentença3. Ou seja, intimação da parte contrária para pagamento do valor no prazo de 15 (quinze) dias úteis. Se a quantia não for depositada dentro desse prazo, há pena de acréscimo de 20%.
Portanto, a comodidade da obtenção antecipada do pedido deduzido judicialmente deverá ser sempre ponderada com os riscos de sua eventual revogação. Ademais, a extensão dos valores a serem indenizados à parte contrária somente serão compreendidos de forma exata ao final do processo. Por fim, poderão ter um impacto significativo e inesperado sobre o requerente caso não tenha considerado adequadamente os riscos.
¹ STJ. REsp 1.191.262/DF.
² STJ. REsp 1.770.124/SP.
³ Como no caso mencionado da cirurgia bariátrica