Medidas Provisórias alteram regras no auxílio-alimentação e teletrabalho
Gustavo Pavani
No dia 28/03, foram publicadas duas Medidas Provisórias dispondo sobre alterações legislativas que envolvem matérias trabalhistas. Essas medidas Provisórias alteram regras no auxílio-alimentação e teletrabalho.
A MP 1.109/2022, basicamente, possibilita ao Poder Executivo adotar medidas trabalhistas alternativas para enfrentamento das consequências sociais e econômicas de estado de calamidade pública em âmbito estadual, distrital ou municipal, quando assim reconhecido pelo Poder Executivo federal, visando auxiliar empregados e empregadores em áreas afetadas por calamidades públicas, especialmente diante dos recentes desastres naturais ocorridos em território nacional.
As medidas que poderão ser adotadas nesses casos são muito similares às previstas na Lei n. 14.020/2020 e na MP n. 927/2020, possibilitando a suspensão do contrato de trabalho ou redução da jornada, com pagamento de benefício pelo governo federal, além de antecipação de férias, feriados, banco de horas, suspensão de FGTS e outras possibilidades de negociação entre as partes.
Já a MP n. 1.108/2022 traz algumas alterações em matéria trabalhista aplicáveis a todas as empresas, especificamente no que diz respeito ao pagamento de auxílio-alimentação e ao teletrabalho.
Regras no auxílio-alimentação
No tocante ao auxílio-alimentação, a Medida Provisória pretende alçar à legislação federal matéria que já havia sido tratada no Decreto n. 10.854/2021, destacando a impossibilidade de desvirtuamento do benefício e reiterando que sua utilização deverá se dar exclusivamente para o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares.
Ainda, dispôs sobre a impossibilidade de concessão de benefícios às empresas contratantes, como o chamado rebate, ou deságio, descontos e incentivos concedidos pelas empresas de alimentação para firmar novos contratos com as empresas contratadas. A proibição não se aplica aos contratos vigentes até seu encerramento ou até que se tenha decorrido o prazo de quatorze meses após a publicação da Medida Provisória, o que ocorrer primeiro.
O desvio ou desvirtuamento das finalidades do auxílio-alimentação pelos empregadores ou pelas empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação acarretará a aplicação de multa no valor de R$ 5.000,00 a R$ 50.000,00, além da possibilidade de cancelamento de inscrição de pessoa jurídica beneficiária, com a consequente perda de eventual benefício fiscal.
Da mesma forma, a Medida Provisória busca trazer para a legislação federal penalidades mais duras quando do desvirtuamento dos benefícios fiscais concedidos pelo desvirtuamento do PAT, possibilitando que a dedução do lucro tributável para fins de apuração do IR, decorrente de programas de alimentação do trabalhador, possam ser reguladas por decretos, além da perda de referido benefício fiscal em caso de desvio de finalidade ou desvirtuamento do PAT.
Teletrabalho
Já no que diz respeito ao teletrabalho, a MP realizou modificação no inciso III, do art. 62, da CLT para acrescentar que não há necessidade de controle de jornada unicamente ao teletrabalhador que labore por regime de produção ou tarefa. Essa mudança é significativa e busca regulamentar uma questão que já estava sendo levada aos tribunais, especialmente após a adoção maciça do home office durante a pandemia de Covid-19.
Algumas empresas já vinham enfrentando ações trabalhistas requerendo o pagamento de horas extras para os empregados em teletrabalho, pelo fato de deixarem de exercer o controle de jornada com base na redação do artigo 62, inciso III, trazida pela Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), que em teoria excluía do controle de jornada todos os trabalhadores em regime de teletrabalho, sem distinção de contratação por jornada ou por tarefa/produção.
Assim, o objetivo da Medida Provisória foi excluir da necessidade de controle de jornada apenas aqueles empregados que trabalhem por produção ou tarefa, ou seja, que não possuem horário para realizar seu trabalho, apenas cobrança pelo resultado deste, podendo desempenhar suas atividades como, onde e especialmente no horário que prefiram.
Caso aprovada com a redação atual, as empresas que possuem empregados contratados por jornada definida em teletrabalho e que não estejam realizando o controle dos horários, deverão obrigatoriamente passar a realizar o controle diário do horário de trabalho dos empregados, sob pena de pagamento de horas extras caso comprovado o extrapolamento da jornada contratada.
Outrossim, a MP trouxe algumas modificações na definição de teletrabalho prevista no art. 75-B da CLT para considerar que o teletrabalho ou trabalho remoto trata-se da prestação de serviços fora das dependências da empresa com a utilização de tecnologias de informação e comunicação, deixando de exigir a preponderância nesses moldes para que se configure o teletrabalho, o que em tese possibilitaria a adoção do modelo híbrido de trabalho, mesmo que não exista menção expressa a este modelo na Medida Provisória.
Nesta linha, também possibilita o comparecimento habitual às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, o que traria mais segurança jurídica aos empregadores, ao possibilitar que o exercício, ainda que habitual, de atividades específicas que somente podem ser realizadas presencialmente, não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Segurança jurídica
O §5º do artigo 75-B também busca trazer segurança jurídica quanto à utilização de equipamentos tecnológicos e softwares fora da jornada de trabalho normal do empregado, como aplicativos de mensagens e e-mails, ou ainda sistemas específicos de cada empresa, indicando que esta utilização não constitui tempo à disposição ou sobreaviso, exceto se houver previsão convencional diversa.
Logicamente, não está se permitindo o trabalho fora de horário sem a devida remuneração, mas tão somente dispondo que caso existam estes meios e o empregado receba, por exemplo, mensagens fora de horário de trabalho, não dá direito ao recebimento de adicionais de prontidão ou de sobreaviso, ou configura tempo à disposição, o que reduziria o número de discussões já travadas no Poder Judiciário relacionadas às novas tecnologias, como grupos de WhatsApp da empresa ou recebimento de e-mails ou notificações fora do horário de trabalho.
Mais uma vez visando a redução e regulamentação de temas cinzentos trazidos ao Poder Judiciário, define que o empregador não ficará responsável por eventuais despesas para retorno ao trabalho presencial nos casos em que o teletrabalhador optar por residir em outra localidade diversa da prevista no contrato de trabalho.
Por fim, a Medida Provisória estende a possibilidade de adoção do regime de teletrabalho aos estagiários e aprendizes, bem como prioriza a utilização de tal regime aos empregados com deficiência ou que possuam filhos ou crianças sob sua guarda até quatro anos de idade.
De todo o modo, em que pese as modificações importantes especialmente para trazer maior segurança jurídica às relações de trabalho remoto, destacamos que se trata de Medida Provisória com prazo de validade, que passará por deliberação e necessidade de aprovação pelo Congresso para posterior conversão em lei, podendo inclusive ser alterada ou, ainda, votada, hipótese na qual encerraria sua vigência e não mais seria aplicável, de modo que a tomada de decisões com base em tal Medida deve ser analisada com cautela, diante da possibilidade de revisão pelo Congresso ou até de esgotamento do prazo de validade.