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5 anos da Reforma Trabalhista: a reduzida utilização do trabalho intermitente e do termo de quitação anual

Publicado em 22 Agosto 2022

O mês de julho marcou os 5 anos da Lei Nº 13.467/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e ficou conhecida como Reforma Trabalhista.

Você é nosso convidado para acompanhar, em publicações quinzenais, uma série especial escrita por Gustavo Pavani e Bruna Caroline Ribeiro de Moura Mafioleti, tratando das mudanças que se mostraram mais relevantes e objeto de maiores discussões durante esse período, como o benefício da justiça gratuita, os honorários sucumbenciais, as decisões do STF envolvendo a legislação, entre outros.

Neste primeiro artigo, serão abordados temas que, apesar da preocupação de alguns especialistas e do grande alarde à época da publicação, não se mostraram tão utilizados quanto se esperava: o trabalho intermitente e o termo de quitação anual do contrato de trabalho.

O trabalho intermitente é conceituado no art. 443, §3º, da CLT, como sendo a prestação de serviços não contínua, com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, com subordinação, independentemente do tipo de atividade, com exceção dos aeronautas que possuem legislação própria.

A regulamentação com os detalhes de referida modalidade contratual consta no art. 452-A da CLT, que ressalta a necessidade de realização de contrato por escrito, com a indicação do salário-hora que não poderá ser inferior ao salário-mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, ainda que não na modalidade intermitente. 

A previsão legal também regulamentava a forma como deveria se dar a comunicação do chamado, sendo necessária a convocação com três dias corridos de antecedência e o prazo de um dia útil para resposta do empregado, que teria direito de recusa, além de penalidades recíprocas em caso de não cumprimento do pactuado. 

Um dos principais motivos do legislador ao instituir o trabalho intermitente foi buscar o aumento da formalização empregatícia e regulamentar os chamados “bicos” ou “taxas” que ocorrem principalmente com garçons, seguranças, empresas do ramo de eventos, e até no comércio em determinadas épocas do ano. 

Contudo, desde a publicação, a maior preocupação de diversos especialistas sobre o assunto era a possibilidade de precarização das relações de trabalho, com riscos de diversas empresas utilizarem desse meio indevidamente e sem que haja a garantia do mínimo mensal a tais trabalhadores. Inclusive, os especialistas apontavam casos semelhantes ocorridos em outros países, como o caso dos zero hour workers no Reino Unido, nos quais o empregado somente recebe pela hora trabalhada, sem qualquer garantia de jornada mínima mensal.

Tanto que, logo após o início de vigência da lei, ainda em 2017, já foram ajuizadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, ADIs 5.826, 5829 e 6154, que discutiam a constitucional do regime de trabalho intermitente. O relator das ADI’s é o ministro Edson Fachin, que já se posicionou contrário à modalidade sob o principal argumento de que não fixa horas mínimas de trabalho nem rendimento mínimo, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, já foram apresentados votos dos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes favoráveis à constitucionalidade de tal regime de trabalho. Em linhas gerais, o ministro Nunes Marques frisou que a modalidade de contratação é constitucional porque assegura ao trabalhador o pagamento de parcelas como repouso semanal remunerado, recolhimentos previdenciários, férias e 13º salário proporcionais. Além disso, proíbe que o salário-hora seja inferior ao salário-mínimo ou ao salário pago no estabelecimento aos trabalhadores que exerçam a mesma função, mas em contrato de trabalho comum.

Já o ministro Alexandre de Moraes destacou em seu voto que foram respeitados os direitos previstos nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal, conciliando-os com a necessidade de uma nova forma de contratação. O próximo voto, bastante aguardado e que poderá ser crucial, é o da ministra Rosa Weber. A ministra solicitou pedido de vista, de modo que o julgamento está suspenso desde 12/2020 e até o momento não há previsão de nova data para julgamento.

Diante da especificidade do trabalho intermitente, bem como das discussões sobre sua constitucionalidade, deve-se ter cautela quando da avaliação de sua viabilidade, já que nem todos os ramos de atividade comportam sua utilização de forma prática, sendo mais comum em comércios, restaurantes e atividades sazonais, sempre sendo necessário o respeito às previsões legais, sob pena de caracterização de fraude.

De qualquer forma, verifica-se que apesar de todas as discussões sobre essa forma de trabalho, os números não demonstram uma grande adesão por parte dos empregadores. Os dados do CAGED em que se apresentam as formas de contratação anuais demonstram que em 2018 apenas 0,5% das admissões foram na modalidade intermitente e em 2019 aproximadamente 1%. 

Em 2020, o número de contratação de trabalhadores intermitentes foi de 1,2%, mas com destaque para o forte aumento após o mês de julho de 2020, possivelmente em razão da pandemia e das incertezas sobre a atividade econômica. Isso porque, em todos os ramos da economia, as mudanças foram drásticas e repentinas, de modo que o regime intermitente se mostrou o mais adequado para auxiliar em períodos que não sabia ao certo quanto tempo teria uma alta demanda. O número se manteve estável em 2021, com 1,3% das contratações formais sendo realizadas na modalidade intermitente.

As variações demonstram que, apesar de utilizada, a modalidade intermitente pelos empregadores ainda é baixa e não teve a mesma proporção que se imaginava quando da publicação da Lei n. 13.467/2017, especialmente no objetivo de maior formalização empregatícia aventado pelos legisladores. 

Acreditamos que essa modalidade de regime deverá continuar sendo utilizada, entretanto, majoritariamente por setores específicos da economia e em determinadas épocas do ano, em razão das atividades sazonais. Ainda, certamente se mostrará menos tímida após o encerramento das discussões quando do julgamento das ADIs pelo Supremo Tribunal Federal, trazendo maior segurança jurídica às empresas que pensam em utilizar essa forma de contratação.

No tocante ao termo de quitação anual do contrato de trabalho, ele foi inserido na CLT no art. 507-B, dispondo sobre a possibilidade de homologação de quitações perante o sindicato dos empregados da categoria, discriminando as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente durante um ano de trabalho, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.

Novamente, quando da publicação da Lei n. 13.467/2017, imaginava-se que o termo de quitação poderia ser realizado indistintamente, para dar quitação ano a ano de todas as responsabilidades trabalhistas da empresa para com seu empregado, reduzindo sobremaneira os riscos de judicialização da relação laboral.

Entretanto, rapidamente a jurisprudência e a doutrina definiram que a quitação anual necessita de indicação expressa de quais parcelas foram pagas, tais como prêmios, horas extras, comissões etc., não sendo possível a elaboração de um termo de quitação genérico com quitação ampla e irrestrita, como ocorre em acordos judiciais, mas tão somente relativo a verbas claramente especificadas.

Seja por desconhecimento ou desconfiança, muitos sindicatos têm se oposto ao procedimento, não restando uma alternativa a ser tomada pelo empregador, já que o dispositivo é taxativo acerca da necessidade de homologação pelo sindicato dos empregados da categoria.

Outro ponto relevante é a necessidade de haver concordância pelo empregado, ou seja, ele poderá se recusar a assinar, mesmo que a empresa e o sindicato tenham explicado os exatos termos e cálculos feitos. Ainda, por certo poderão ocorrer situações em que o empregado se vê obrigado a assinar por receio de represálias e até mesmo sua dispensa, de modo que se houver prova futura de vício de consentimento, o termo de quitação poderá ser invalidado pelo Poder Judiciário.

Dessa forma, seja pelo receio do desconhecido seja pela incerteza de sua segurança jurídica irrestrita, dados demonstram que esse termo tem sido muito pouco utilizado, ao contrário do que se imaginava quando da inovação legislativa.

A utilização correta do termo ocorre, por exemplo, quando no ano em referência ocorreu a prestação de serviços extraordinários que não foram devidamente quitados pela empresa a um empregado. Nesse caso, a empresa poderia comparecer ao Sindicato e buscar a quitação de quantas horas extraordinárias foram prestadas, reduzindo o risco de questionamento posterior por parte do empregado. 

Assim, recomendamos que sempre se realize uma consultoria no caso concreto com advogado especialista para analisar todo o contexto e possíveis implicações, buscando verificar se o termo de quitação anual é aplicável ao caso concreto.

Portanto, nesses cinco anos após a publicação da Lei n. 13.467/2017, verificou-se que o trabalho intermitente e o termo de quitação anual do contrato de trabalho não foram utilizados como se imaginava no princípio, principalmente em razão da insegurança jurídica quanto aos temas, de modo que compete aos operadores do direito alertar os riscos de utilização nos casos concretos e esclarecer sobre a possibilidade de aplicação em determinadas situações, como forma de mitigar os riscos aos envolvidos.

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