Da produção da prova oral por convenção processual
Paulo Evandro Welter
Compreendendo que o direito fundamental da duração razoável do processo, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, pretende assegurar a prestação jurisdicional eficiente e efetiva, o legislador infraconstitucional ampliou os poderes das partes em contraposição à ideia integralmente publicista do processo.
A ilustrar a maior participação das partes, cita-se o saneamento cooperativo/compartilhado, a convenção de calendário processual, a comunicação/intimação dos atos processuais e audiências pelos advogados e a produção de prova oral pelas partes. A possibilidade de realizar, em certos casos, inventário e usucapião em cartórios extrajudiciais evidencia essa opção por parte do legislador.
O processo destina-se a tutelar o direito material controvertido de titularidade das partes. Portanto, não há motivo para retirar certo protagonismo dos próprios titulares do direito material objeto de certa controvérsia.
Quando se está diante de direito material suscetível de autocomposição, o Estado-Juiz tem o poder/dever de fiscalizar o devido processo legal sem que isso retire, das partes, o direito de convencionar sobre a marcha processual adequada à resolução daquela controvérsia. É isso que prevê o princípio do autorregramento da vontade das partes, nos termos do art. 200 do Código de Processo Civil.
Sendo cláusula geral, o art. 190 do CPC não estabelece limites para que partes capazes possam estabelecer regras e direitos próprios. Obviamente que a convenção será cabível em direitos que admitem autocomposição e desde que respeitada a norma e o devido processo legal.
Com isso, não se vislumbra óbice para que as partes celebrem negócios jurídicos destinados a regular o modo como a prova oral será produzida. Se as partes podem escolher se a controvérsia será processada e julgada pela Jurisdição Estatal ou Arbitral, ou seja, se podem, à luz da autonomia da vontade, determinar qual Jurisdição irá analisar e decidir a controvérsia, não há razão para inadmitir que elas possam regular, com respeito à norma e ao devido processo legal, a forma como a prova oral será produzida. Trata-se, aqui, da ideia de poderes implícitos.
A exemplo daquilo que ocorre em outros países, como Inglaterra e Estados Unidos, o Tribunal de Justiça do Paraná editou o Decreto Judiciário nº 699 de 2021, regulando expressamente a produção da prova oral por convenção processual, senão vejamos:
Da Produção da Prova Oral por Convenção Processual
Art. 25. Nos processos que tratem de direitos disponíveis, qualquer das partes poderá, com a concordância das demais e o deferimento do magistrado, encarregar-se da tomada dos depoimentos das testemunhas ou informantes que arrolar, em gravação de vídeo e áudio, garantida a participação da parte contrária, no dia, local e horário indicados nos autos do processo, devendo a prova colhida em tais condições ser valorada em conjunto com as demais.
§ 1º A concordância com a tomada de depoimentos e declarações nos moldes previstos no caput pode ser condicionada à escolha de ambiente adequado e seguro, pela parte coletora da prova, para que, querendo, o ato seja presenciado in loco pelos advogados das demais partes ou por prepostos por eles designados.
§ 2º Durante a coleta da prova somente se admite a realização de perguntas e intervenções pelos advogados das partes.
§ 3º O registro particular em áudio e vídeo do ato processual realizado nos termos do caput deve ser permitido, desde que o material somente seja utilizado nos autos do processo ao qual se vincula a prova, sob pena de, sendo descumprida essa obrigação, ocorra a responsabilização civil e criminal por divulgação indevida.
Art. 26. As partes podem convencionar que os depoimentos de testemunhas e informantes sejam tomados na presença de tabelião e que as declarações prestadas sejam documentadas em ata notarial, em substituição à prestação de depoimentos em Juízo.
É certo que o CPC prevê que as provas orais são produzidas em audiência de instrução, no Tribunal e com a presença do juiz. No entanto, fazendo uma interpretação teleológica das normas fundamentais do CPC é possível conceber a ideia de flexibilização do procedimento previsto em lei, autorizando-se determinadas adaptações do procedimento ao caso concreto com o fim de assegurar maior dinamismo.
Obviamente que a convenção processual destinada a alterar a forma como a prova oral será produzida imprescinde de homologação do juiz, já que interfere em poderes, deveres e faculdades próprias do órgão julgador. Esse controle pode ser realizado de ofício, nos termos do art. 190, parágrafo único, do CPC.
Verificando que o devido processo legal está sendo observado na convenção processual, não existe razão para que a prova oral não possa ser produzida em ambiente diverso dos Tribunais e sem a presença do juiz. Obviamente que o magistrado poderá informar às partes todos os questionamentos que faria se o ato fosse realizado com a sua presença. Esses questionamentos, sob pena de inutilidade do ato, já que o juiz é o destinatário das provas, devem ser realizados pelas partes em ambiente previamente informado e na presença de ambas as partes.
O controle da legalidade da colheita da prova pelo juiz, em tais casos, deve ser feito em dois momentos, a saber: i) previamente, quando da homologação da convenção celebrada pelas partes; ii) e posteriormente quando a prova é juntada aos autos do processo. Não se deve olvidar que as partes igualmente possuem a obrigação de garantir o respeito ao devido processo legal, inclusive com a possibilidade de denunciar ao juiz eventuais insatisfações na colheita da prova.
A exemplificar a utilidade na produção da prova oral por convenção das partes em ambiente diverso e sem a presença do juiz, cita-se os casos de testemunhas enfermas ou prestes a viajar e o juízo não tem data próxima para pautar a audiência de instrução. Em tais casos não há óbice para que a prova oral seja produzida pelas partes, com posterior controle do órgão julgador.
Quando isso ocorre, as partes da relação jurídica processual, ou seja, os titulares do direito controvertido e verdadeiros interessados na resolução da controvérsia, atuam em benefício do dinamismo, da eficiência e da efetividade do processo.
O processo não deve ser considerado um fim em si mesmo. A resolução do conflito judicializado não deve ser postergada quando se está diante de ferramentas que tornam a solução mais rápida, o que prestigia o festejado direito fundamental da razoável duração do processo.