Skip to main content

Penhora de bens e o terceiro de boa-fé

Publicado em 27 Março 2024

Nas execuções de título extrajudicial, vencido o prazo para pagamento espontâneo pelo devedor e sem que isso ocorra, incumbe ao credor impulsionar o processo no seu interesse, indicando bens à penhora.

Por meios próprios, mediante pesquisa junto ao Cartório de Registro de Imóveis, Detran ou através do auxílio pelo juiz, por meio das ferramentas atualmente disponíveis (Sisbajud, Infojud, CNIB, SREI, Sniper, dentre outros), podem ser encontrados móveis ou imóveis de propriedade do devedor. Uma vez localizados bens, então se procede à sua constrição, para a satisfação do pagamento do valor perseguido. 

Entretanto, uma surpresa inesperada pode aparecer no curso dos autos: o terceiro de boa-fé.

QUEM É O TERCEIRO DE BOA-FÉ?

O terceiro de boa-fé é aquele que, não sendo parte do processo, adquiriu o bem penhorado desconhecendo que estaria sujeito à penhora ou ações judiciais contra o proprietário anterior. 

Algumas situações que podem levar à aquisição por terceiro de boa-fé são: contratos particulares de compra e venda de imóveis que não são levados a registro, os popularmente denominados "contratos de gaveta"; a celebração de escritura pública de cessão de direitos; a outorga de procuração com amplos poderes para venda de um imóvel ou até um simples recibo de pagamento em nome de quem pagou o preço do imóvel, mas não teve a transferência formalizada. 

Até mesmo imóveis adquiridos de incorporadoras e construtoras podem sofrer tentativa de penhora quando pendente a assinatura da escritura pública de compra e venda, bem como o seu registro. Igual risco existe em relação a veículos automotores, quando não há comunicação ao Detran da alienação, apesar da existência de contrato particular de compra e venda de veículo.

Em resumo: a questão surge quando o devedor, apesar de ser formalmente o proprietário do bem, não detém mais direitos sobre ele. O credor, desconhecendo essa circunstância (até porque a informação não é pública), requer a penhora, afetando o terceiro. Esse terceiro não aparece nos registros públicos de propriedade do imóvel ou automóvel, mas, apesar disso, detém legítimo direito sobre o bem.

DE QUAL FERRAMENTA DISPÕE O TERCEIRO DE BOA-FÉ EM SUA DEFESA?

Quando ocorre a penhora do bem adquirido pelo terceiro de boa-fé é que surge a possibilidade de oposição dos chamados embargos de terceiro, que permitem a defesa do seu direito. Para que afaste a penhora indevidamente realizada sobre o bem, deve demonstrar que desconhecia o impedimento à sua compra, por não constar do registro o alerta sobre a existência da ação judicial. Na dúvida, a boa-fé do terceiro é presumida, conforme entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça.

É uma surpresa inesperada e amarga ao credor que, por vezes, precisa desistir da penhora, em face da conclusão de que o terceiro está mesmo de boa-fé. 

Se o credor insistir na manutenção da constrição e não conseguir provar que o terceiro estava de má-fé, então arcará com as custas do processo e com os honorários do advogado que ingressa com os embargos de terceiro. Ou seja, além de não receber a dívida, terá de arcar com as despesas que o terceiro teve na defesa do bem que alega ser seu.

A SEGURANÇA GARANTIDA PELO REGISTRO

Há casos em que é impossível saber da existência de terceiro adquirente do bem, vez que, por exemplo, passa a ocupar a posse de um imóvel sem base documental. Entretanto, há inúmeros casos em que seria perfeitamente possível implementar mecanismos para que o credor pudesse, desde logo, conhecer da existência de qualquer terceiro.

Ainda que uma procuração com amplos poderes, um contrato particular de compra e venda e tantos outros documentos particulares não sirvam para transferir a propriedade do imóvel, o seu registro público ao menos serviria de alerta ao credor e à sociedade de que esse terceiro existe e possui algum direito incompatível com a penhora que se pretende levar a efeito.

Do mesmo modo, o credor que desejar pode averbar a existência da execução em bens do devedor, mesmo antes da penhora, de modo a evitar que terceiros o adquiram sem a ciência do risco de posterior excussão do bem.

Infelizmente, o custo, o desconhecimento e a burocracia impedem a efetivação de tais providências. Como consequência, milhares de imóveis possuem um proprietário formal no seu registro, mas, em contrapartida, contam com outro possuidor, na realidade. A simplificação e redução de custos para pesquisas nesse sentido seria de grande auxílio à sociedade, oferecendo maior publicidade dessas informações. 

O credor de um processo judicial, o Poder Judiciário e a sociedade como um todo ganhariam com maior efetividade e segurança, protegendo-se ainda esse terceiro, quando de fato está de boa-fé e não pode ser prejudicado em seu legítimo direito