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O Home Office veio para ficar? Perspectivas e riscos do trabalho a distância para além da pandemia | Hapner Kroetz Advogados

Publicado em 11 Mai 2021

Passado mais de um ano da abrupta mudança de regimes presenciais de trabalho para o home office, as empresas passam a questionar sobre o futuro do trabalho a distância.

Esta nova forma de trabalho se tornará uma realidade ou se tratou apenas de uma necessidade momentânea? Quais as perspectivas futuras e os riscos trabalhistas que os empregadores enfrentarão com a esperada reabertura e redução das restrições decorrentes da pandemia?

Neste artigo, pretendemos abordar e responder algumas dessas questões sob o ponto de vista da legislação atual, bem como apresentaremos quais são as expectativas sobre uma possível regulamentação do home office.

Quais são as regras do home office?

É fato que o trabalho remoto se tornou uma prática comum em milhares de empresas brasileiras por uma necessidade imediata e sem qualquer possibilidade de planejamento estruturado. A previsão legal até então existente, surgiu apenas em 2017 com a Reforma Trabalhista, regulamentando o teletrabalho, conceituado pela Lei como aquele “prestado predominantemente fora das dependências da empresa, através de meios de tecnologias de informação e comunicação”.

Buscando facilitar a adaptação das empresas e reduzir os requisitos exigidos por referida legislação, o Governo Federal editou Medidas Provisórias (MPs) facilitando a alteração do trabalho presencial para o home office, a exemplo das previsões indicando a ausência de necessidade de acordo individual escrito e dispensando alteração contratual prévia para adoção do regime.

A primeira Medida Provisória sobre o tema, MP 927/2020, vigorou apenas entre 22/03/2020 e 19/07/2020, quando a Medida caducou, não tendo sido convertida em Lei pelo Congresso Nacional. Apenas em abril deste ano o Poder Executivo editou a MP nº 1046/2021 com as mesmas regras para o teletrabalho da medida anterior, com vigência pelo prazo de 120 dias a partir da sua publicação.

Como as empresas e sindicatos têm se comportado?

Considerando as lacunas deixadas pela legislação sobre o trabalho remoto, uma saída muito utilizada pelas empresas é a formalização de acordos e convenções coletivas tratando do tema.

Em um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgado pelo jornal Valor Econômico. Foi possível identificar diretrizes para o teletrabalho em 13% dos acordos coletivos firmados em 2020. Um aumento expressivo em relação a 2019, quando regulamentações de trabalho à distância estavam previstas em apenas 1% das negociações.

As maiores preocupações envolvendo estas negociações coletivas tratam de temas relacionados ao fornecimento de equipamentos e os custos com infraestrutura, como internet, telefone e eletricidade. Além disso, também têm sido discutidas alternativas para o controle de jornada e questões voltadas para a saúde e segurança, como a realização de treinamentos para conscientização sobre riscos ergonômicos.

Entretanto, com o início da vacinação em escala global, as empresas já começam a debater o retorno gradual de atividades presenciais e a viabilidade de manutenção dos modelos de trabalho à distância. Estas discussões invariavelmente levantam diversas dúvidas e avaliações de riscos, especialmente relacionados à esfera trabalhista.

Quais as perspectivas para manutenção do teletrabalho pelas empresas?

A possibilidade de acordar e em poucos minutos já estar trabalhando, de qualquer lugar onde o empregado estivesse, evitando por vezes horas de deslocamento até a empresa parecia impensável para a grande maioria dos trabalhadores antes da pandemia. A modalidade de trabalho comumente conhecida como home office foi vista como uma revolução que veio para ficar.

Entretanto, passados alguns meses da pandemia, verificou-se que junto com os benefícios de se trabalhar em casa, também existiam ônus, tanto para as empresas, como também para os empregados.

Do ponto de vista do empregado, uma série de questões de cunho pessoal passaram a estar diretamente ligadas com a atividade profissional. O trabalho prestado no ambiente residencial acaba por se misturar às atividades domésticas, especialmente em ambientes familiares. A comunicação remota, com reuniões por vídeo, sistemas de comunicação online, excesso de mensagens eletrônicas e obrigação de adaptação às novas tecnologias também passou a se tornar um problema. Por fim, a falta de interação social e de relações interpessoais diretas, juntamente com os demais pontos indicados, pode desencadear episódios de ansiedade ou depressão nos trabalhadores.

Pelo lado do empregador, as preocupações são ainda maiores. Existem diversos relatos e casos de empregados que deixaram as cidades em que trabalhavam, buscando uma vida mais confortável e barata no interior, já que o trabalho não era mais realizado presencialmente na empresa.

Parte importantíssima, especialmente das grandes organizações e de startups, a assimilação da cultura da empresa é essencial para os planos futuros, o que pode estar prejudicado ou ao menos dificultado com o trabalho remoto. Igualmente, a falta de contato direto, pessoal, com a equipe, pode reduzir a sinergia no ambiente de trabalho e trazer empecilhos à avaliação de desempenho e relacionamento de empregados.

Do ponto de vista prático e relacionados a questões trabalhistas, as dificuldades passam desde as já mencionadas no início deste artigo, como custos com infraestrutura, equipamentos, saúde e segurança do trabalho, mas principalmente com relação à jornada dos empregados e controle das atividades diárias prestadas pelos trabalhadores.

Assim, aparentemente a lição que se extrai deste necessário isolamento social que acarretou o trabalho à distância é que nem todas as atividades, funções e especialmente, nem todas as pessoas, poderão ou querem trabalhar remotamente de forma definitiva após o tão esperado fim da pandemia.

Por estas e outras razões é que inclusive empresas nas quais se imaginava que o movimento do home office fosse irreversível, como as gigantes de tecnologia Google, Facebook, Amazon, Microsoft e outras, já estão revendo seus posicionamentos e inclusive alertando os empregados que o trabalho presencial não está encerrado, pelo contrário.

Em recente matéria elaborada pela BBC, o que se verifica da postura destas gigantes de tecnologia é que sim, haverá uma flexibilização permitindo o trabalho remoto, mas não de forma integral, sendo que o trabalho presencial deverá ser mantido de forma obrigatória ao menos em parte da jornada semanal. Inclusive a reportagem menciona políticas como a do Google, indicando a necessidade de que os empregados “vivam a uma distância que os permita se deslocar" para a empresa.

O Direito do Trabalho nos últimos anos foi marcado pela flexibilização e busca por adequação às realidades de cada empresa ou atividade empresarial, tendência que foi acelerada com a pandemia e o trabalho remoto. A própria Reforma Trabalhista já concedeu maior autonomia às negociações coletivas, justamente visando uma redução no número de obrigações decorrentes da Lei, e incentivando a busca por soluções cabíveis à cada realidade empresarial por meio da negociação coletiva.

Desta forma, o que se verifica é que cada empresa poderá buscar adequar as formas de trabalho que mais se adaptem à sua realidade, preferencialmente por meio da negociação coletiva, tendo em vista a provisoriedade da maioria das alterações legislativas ocorridas no período.

As possibilidades de ajuste são diversas, desde o trabalho integralmente remoto para algumas funções, mas especialmente relacionados à tendência de adoção de modelos flexíveis ou híbridos de trabalho, com trabalho remoto em alguns dias da semana e outros de forma presencial, buscando adequar os interesses de empresas e empregados da melhor forma possível.

Por outro lado, todas as alterações e novos modelos de trabalho devem ser muito bem pensados e estruturados pelas empresas, especialmente relacionados aos riscos trabalhistas decorrentes destas novas modalidades. A pandemia e a súbita mudança de regime de trabalho presencial para remoto já trouxeram uma prévia das possíveis discussões judiciais decorrentes deste modelo, como poderemos observar adiante.

Quais as principais discussões trabalhistas decorrentes dos regimes de trabalho remoto?

As discussões judiciais relacionadas à pandemia movimentaram o Judiciário trabalhista já no ano de 2020. De acordo com o relatório “Justiça em Números” do CNJ, no ano de 2020, quase 10% das ações trabalhistas ajuizadas no período possuíam alguma relação com a pandemia.

Deixando de lado questões econômicas que podem ter desencadeado discussões judiciais, do ponto de vista prático, algumas questões já são vistas como possíveis pontos de conflito entre empregados e empregadores.

Inicialmente, e talvez um dos pontos mais relevantes, destaca-se o controle de jornada do empregado em trabalho remoto. A Reforma Trabalhista enquadrou o teletrabalho na exceção do artigo 62, da CLT, excluindo os teletrabalhadores das hipóteses de duração do trabalho previstas na legislação trabalhista. Assim, em teoria, não haveria necessidade de controle da jornada do trabalho e muito menos o direito ao pagamento de horas extras, caso excedida a jornada legal.

Entretanto, é sabido que a Justiça do Trabalho trata de forma muito rigorosa o enquadramento de empregados na exceção do artigo 62 da CLT. A título de exemplo, são inúmeras as decisões que somente consideram válida a jornada externa para aqueles empregados que trabalham em atividades nas quais a empresa esteja efetivamente impossibilitada de realizar o controle de jornada. Da mesma forma com relação aos cargos de confiança, nos quais somente os empregados que possuem efetiva ampla autonomia e poderes de mando e gestão são admitidos na exceção do referido artigo.

Pelas mesmas razões, já existem ações questionando a ausência de pagamento de horas extras pelo teletrabalho, deduzindo que na possibilidade de efetivo controle por parte da empresa, por meio de sistemas, logins e até dos próprios equipamentos eletrônicos, seriam devidas as horas extras pelo trabalho excedente à jornada permitida.

Uma discussão cotidianamente levantada pelos operadores do Direito do Trabalho, é a ocorrência de acidente de trabalho em âmbito residencial, ou ainda doença ocupacional decorrente do trabalho exercido remotamente. Neste sentido, como já destacamos anteriormente, diversos episódios de abalos psicológicos e até mesmo necessidade de tratamentos psiquiátricos ocorreram durante a pandemia, não sendo difícil imaginar ações trabalhistas que busquem o reconhecimento de uma doença ocupacional em referidos casos

Outra questão que já vem sendo levantada, de ordem processual, é a discussão relativa à competência territorial dos empregados em teletrabalho. Aqueles contratados diretamente para prestar serviços neste regime, poderiam ajuizar ações contra a empregadora no seu local de residência, ou deveriam seguir a regra de foro da localidade da empresa?

Nesta linha, mais um exemplo de situação que pode desencadear conflitos trabalhistas é a discussão relacionada especificamente ao assunto da territorialidade e à eventual transferência do empregado. Caso a empresa opte pelo retorno às atividades presenciais, tratando-se de empregado contratado para trabalho remoto em localidade diversa da sede da empresa, seria possível determinar o trabalho presencial do empregado na sede da empresa? Ainda, na hipótese de mudança do empregado para esta localidade diversa, seria devido o adicional de transferência?

Verifica-se que antes mesmo de os assuntos serem levados ao Judiciário, é facilmente demonstrável a diversidade de conflitos trabalhistas que podem surgir relacionados às mudanças na organização do trabalho decorrentes da pandemia.

Assim, parece ser iminente o aumento no número de discussões na Justiça do Trabalho decorrentes do trabalho remoto, pelo que cabe às empresas buscarem a orientação necessária para estruturação de planos ou políticas de trabalho remoto, híbrido e de retorno programado às atividades presenciais, preferencialmente por meio de negociação coletiva, visando uma maior segurança jurídica para um assunto ainda tão recente e com pouca regulamentação.


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