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A Entrada em Vigência da Nova Lei de Improbidade Administrativa: principais alterações trazidas pela Lei n° 14.230/2021 (Parte 1)

Publicado em 11 Novembro 2021

A Lei n° 14.230, aprovada no dia 25 de outubro de 2021, promoveu uma série de alterações na Lei n° 8.429/92, que dispõe sobre improbidade administrativa.

 A recente legislação, dentre outras finalidades, pretendeu redefinir a carga de subjetividade conferida ao operador do direto no tratamento de questões que envolvem os chamados atos de improbidade administrativa, circunstância que acabará por garantir, aos acusados de atos tidos como administrativamente ímprobos, maior segurança jurídica na condução dos processos que venham ser chamados a responder.

Como se sabe, o combate à corrupção é tópico atual e caro à vida em sociedade, motivo pelo qual, antes mesmo de sua entrada em vigor, o texto da lei acabou por provocar uma série de inflamados debates. O presente estudo pretende abordar, de modo objetivo, as seguintes alterações trazidas pela nova legislação: (I) a exigência de dolo; (II) o fim do rol exemplificativo do art. 11; (III) a delimitação quanto a competência e prazo para o afastamento de agente público e (IV) as mudanças relativas ao tema da prescrição.

Futuramente, em artigo que será publicado na próxima semana, abordaremos os seguintes tópicos: (I) o Ministério Público como único competente para ajuizamento de ação de improbidade administrativa; (II) a possibilidade de responsabilização de representantes das empresas apenas quando comprovada a sua participação e o auferimento de benefícios diretos e (III) as mudanças relativas às sanções de suspensão dos direitos políticos e aplicação de multa oferecidas pela Lei n° 14.230/2021.

A EXIGÊNCIA DE DOLO: NÃO SE ADMITEM MAIS CONDUTAS CULPOSAS

Uma das grandes inovações da nova Lei de Improbidade Administrativa foi a eliminação do tipo normativo em sua modalidade culposa, admitindo-se somente o processamento de condutas ímprobas com caráter doloso. A partir da edição da nova lei não há mais que se falar em improbidade administrativa na modalidade culposa, sendo o dolo (atitude consciente e voluntária do agente) elemento essencial à caracterização da conduta passível de sanção.

A lei anterior cuidou de estabelecer e definir três modalidades de condutas ímprobas, previstas nos seus artigos 9.º[1], 10.º[2] e 11º[3]: aquelas que produzem enriquecimento ilícito, aquelas que causam lesão ao erário e aquelas que violam princípios administrativos, respectivamente.

A hipótese de lesão ao erário, prevista no artigo 10.º, admitia a possibilidade de enquadramento das condutas como ato de improbidade tanto na modalidade dolosa quanto na culposa. Já os artigos 09 e 11, que tratam de enriquecimento ilícito e violação aos princípios administrativos, não continham indicação expressa a respeito da modalidade culposa, tendo deixado aberta a porta para interpretações das mais variadas espécies, o que gerou uma série de debates doutrinários e jurisprudenciais.

A redação da nova lei tratou de eliminar qualquer dúvida sobre o tema: indicou expressa e reiteradamente (sem receio de fazer-se repetitiva) que somente condutas dolosas são passíveis de processamento com base em responsabilidade administrativa.

Tamanha foi a preocupação do legislador em relação à imprescindibilidade do elemento subjetivo que, logo no primeiro parágrafo, do primeiro artigo da nova lei, cuidou de especificar que somente “consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais” e, na sequência, no parágrafo segundo de mesmo artigo, citou a definição dolo adotada pela legislação: “dolo é voluntariedade de praticar ato e de produzir um efeito e de violar o ordenamento jurídico.”

Por fim, é importante destacar que a exigência da presença do elemento subjetivo dolo não é completamente aleatória; afinal, trata-se de uma tentativa de adequação àquilo que já era previsto pelas Convenções das Nações Unidas Contra a Corrupção, introduzida no direito brasileiro pelo Decreto n° 5.687/2006, cujas disposições expressamente definem que somente são passíveis de punição atos compreendidos como intencionais.

O FIM DO ROL EXEMPLFICATIVO DO ART. 11: TODAS AS CONDUTAS ÍMPROBAS QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA LEI ADMINISTRATIVOS ESTÃO ELENCADOS NA LEI

Outra relevantíssima alteração trazida pela nova lei de Improbidade Administrativa diz respeito às condutas que atentem contra os princípios da administração pública, previstas no artigo 11[4]. Isso porque, a nova legislação cuidou de definir que o rol de condutas previstas neste dispositivo é exaustivo, afastando qualquer indicativo de tratar-se apenas de rol exemplificativo.

Antes, o emprego do termo “notadamente” no caput do referido artigo possibilitava o ajuizamento de inquérito ou ação civil pública com base em uma das hipóteses elencadas em seus incisos ou, ainda, com base em outras hipóteses que, a depender da argumentação apresentada pelo operador do direito, revelassem-se violações aos princípios da administração pública.

Com o advento da nova lei, isso já não é mais possível. A supressão do vocábulo “notadamente” conferiu um cunho exaustivo ao rol de condutas passíveis de reprovação pela Lei n° 14.230/2021.

A alteração, que visou reduzir a liberdade interpretativa do operador do direito e, com isso, elevar o grau de segurança jurídica do ordenamento, eliminou a prática contumaz de propositura de ação civil pública fundamentada em violação à moralidade genérica cuja descrição era somente, a posteriori, complementada pela descrição dos fatos na causa de pedir.

A DELIMITAÇÃO QUANTO AO SUJEITO COMPETENTE E AO PRAZO LIMITE PARA O AFASTAMENTO DO AGENTE PÚBLICO: APENAS A AUTORIDADE JUDICIAL PODE DECIDIR POR AFASTAR O AGENTE INVESTIGADO E PELO PRAZO MÁXIMO DE 90 DIAS.

A Lei n° 14.230/202, visando evitar perseguições pessoais, também impôs limites quanto à competência e ao prazo pelo qual se pode determinar o afastamento do agente público investigado, do exercício de seu cargo, emprego ou função para fins de instrução processual.

Antes, o artigo 20 da Lei n° 8.429/92 [5]permitia que tanto a autoridade judicial quanto a autoridade administrativa competente decidissem pelo afastamento do agente público do exercício de suas atribuições públicas, sem que houvesse limitação de prazo para o afastamento.

Atualmente, apenas a autoridade judicial é considerada legítima para afastar o agente investigado; e o tempo desse afastamento fica adstrito ao máximo de 90 dias, sujeito à prorrogação uma única vez por outros 90 dias, mediante decisão fundamentada. [6]

ALTERAÇÕES SOBRE O TEMA PRESCRIÇÃO: PRAZO PRESCRIONAL ÚNICO DE OITO ANOS CONTADO DO FATO DANOSO E POSSIBILIDADE DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Por fim, a reforma trazida pela Lei n° 14.230/2021 também ingressa no tema relevantíssimo da prescrição.

A Lei n° 8.429/92 previa diferentes termos iniciais para o início do prazo prescricional, o que ocasionava grande incerteza jurídica. O art. 23 da antiga LIA fixava que a ação de improbidade deveria ser proposta: (I) em até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; (II) dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego ou (III) em até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1° da lei.

Com a nova legislação, o prazo prescricional passa a ser um só para todas as hipóteses acima listadas: oito anos, contados do fato danoso ou do dia do cessar da conduta ilícita em caso de infrações permanentes.[7]

Há, ainda, o regramento de que a instauração de inquérito civil ou de processo administrativo suspende o prazo prescricional por 180 dias e de que o inquérito para apuração do ato de improbidade deve ser concluído em até 365 dias corridos.[8]

Outra alteração marcante diz respeito à introdução do instituto da prescrição intercorrente:

No sistema anterior, uma vez instaurado o processo judicial, não havia data para que esse fosse concluído, circunstância que determinava, invariavelmente processos cuja duração se arrastava por muitos anos, sem qualquer consequência jurídica.

A nova lei, por sua vez, na tentativa de limitar a duração do processo a tempo razoável, elencou uma série de eventos que interrompem a prescrição determinando que, uma vez interrompida, o prazo prescricional volta a fluir da data de sua interrupção, computado pela metade do prazo prescricional incialmente previsto, isto é, apenas quatro anos[9].

A interrupção do prazo prescricional ocorre, assim, diante das seguintes hipóteses:

  • Ajuizamento da ação;
  • Publicação da sentença condenatória;
  • Publicação de decisão ou acórdão que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência (tantos nos tribunais de segunda instância quanto no STJ e STF).

O próximo artigo cuidará de abordar outras importantes alterações, dentre elas: (I) a legitimação exclusiva do Ministério Público; (II) a exigência da comprovação de participação nas condutas e de benefício direto para responsabilização dos sócios, cotistas, diretores e colaboradores da pessoa jurídica e (III) as sanções e multas.

 

[1]Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei [...].

[2]Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei [...].

[3]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições [...].

[4]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

[5]Art. 20. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

[6] Art. 20. § 1º A autoridade judicial competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, do emprego ou da função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida for necessária à instrução processual ou para evitar a iminente prática de novos ilícitos. § 2º O afastamento previsto no § 1º deste artigo será de até 90 (noventa) dias, prorrogáveis uma única vez por igual prazo, mediante decisão motivada.  

[7]Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.

[8] § 1º A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão.§ 2º O inquérito civil para apuração do ato de improbidade será concluído no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica.

[9] § 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo

  • 8º O juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato, caso, entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o prazo previsto no § 5º deste artigo.

Parte 2 - A Entrada em Vigência da Nova Lei de Improbidade Administrativa: principais alterações trazidas pela Lei n° 14.230/2021

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