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Nova Lei de Falências: Quais são as mudanças? | Hapner Kroetz Advogados

Publicado em 03 Março 2021

No dia 23 de janeiro de 2020, entrou em vigor a Lei 14.112/2020, que atualiza a legislação relativa à recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária (Lei 11.101/2005).

As alterações vieram com o intuito de facilitar a recuperação das empresas em crise que demonstrem efetiva viabilidade e, de outro lado, tornar eficiente a liquidação daquelas que não possuem condições de permanecer operando. A modernização legal decorre da consolidação do entendimento jurisprudencial manifestado durante a vigência da legislação anterior e da necessária atualização dos institutos da insolvência empresarial.

A nova legislação inicia sua vigência em momento especialmente sensível, circunstância ainda mais grave em razão de crises sanitária e econômica sem precedentes, a exigir soluções jurídicas para as empresas em dificuldade. 

São algumas das alterações trazidas com a nova lei e que estão a merecer destaque: 

Facilitação de acesso à informação pelos credores

Dentre as novidades, está a obrigatoriedade de que o administrador judicial mantenha um endereço eletrônico na internet, onde deverão constar informações atualizadas sobre os processos de falência e recuperação judicial, com a opção de consulta a cópias das principais peças do processo, salvo decisão judicial em sentido contrário. Trata-se de providência singela, que já vinha sendo utilizada por inúmeros administradores, mas que, estabelecida como dever legal, será de grande proveito aos credores, especialmente levando-se em consideração que os processos dessa natureza são extensos e muito volumosos, dificultando sobremaneira a sua consulta, mesmo daqueles que já tramitam pela via eletrônica. 

Nesse mesmo sentido, o administrador deve manter endereço eletrônico específico para o recebimento de pedidos de habilitação ou apresentação de divergências, em âmbito administrativo, inclusive com modelos que poderão ser utilizados pelos credores, salvo decisão judicial em sentido contrário.

Ainda, há a expressa previsão de que a Assembleia Geral de Credores seja convocada por meio de edital publicado no diário oficial eletrônico e disponibilizado no sítio eletrônico do administrador judicial. A nova disposição evita que esse chamado fique relegado a publicações em jornais impressos, nas localidades da sede e das filiais da empresa, e não alcancem adequadamente os credores. 

Mediação e conciliação

As modificações legislativas incorporam a moderna orientação de incentivar uma maior participação dos credores na solução a ser conferida às empresas em crise. As ferramentas de autocomposição são estimuladas, passando a integrar o cenário de recuperação empresarial a mediação e a conciliação, respeitados os direitos de terceiros. 

Especificamente no que toca às recuperações judicial e extrajudicial, são admitidas conciliações e mediações antecedentes ou mesmo incidentais envolvendo credores, acionistas, concessionários ou permissionários de serviços públicos, e mesmo litigantes não sujeitos à recuperação. No caso de renegociação de dívidas e formas de pagamento entre a recuperanda e seus credores, há inclusive a possibilidade de requerimento de tutela de urgência, voltada à suspensão das execuções pelo prazo de 60 dias, caso preenchidos os requisitos legais. 

A nova expressão da lei merece elogios. No entanto, sua aplicação exigirá dedicação, treinamento e efetiva disponibilização de profissionais familiarizados com as técnicas de mediação e de soluções alternativas de conflitos, mormente em casos tais, em que são conhecidos os números elevados de credores e interessados que poderão, eventualmente, participar de tais atos.

Perícia prévia ao deferimento do pedido de recuperação judicial

Nos termos da nova lei, é possibilitado ao juiz, após a distribuição do pedido de recuperação judicial, nomear perito de sua confiança, para promover a constatação das reais condições de funcionamento da requerente e da regularidade e completude dos documentos submetidos com a petição inicial. Essa constatação independe de oitiva das partes e apresentação de quaisquer quesitos, podendo ser determinada inclusive sem o conhecimento do devedor, quando o magistrado entender que a providência evita sejam frustrados seus objetivos.

Apresentação de plano de recuperação pelos credores

Também aos credores da empresa em recuperação foi conferida pela nova lei a possibilidade de, rejeitado o plano preparado pelo devedor, apresentar plano alternativo, caso presentes determinadas condições legais. Há espaço, assim, para que os credores que consigam se organizar possam contribuir com soluções voltadas à recuperação da empresa em crise, apresentando para votação circunstâncias que entendam mais adequadas à recuperação da empresa e de seus créditos. 

O plano alternativo deverá observar as mesmas formalidades impostas ao plano apresentado pelo devedor e não poderá impor à recuperanda ou aos seus sócios sacrifício maior do que aquele que decorreria da decretação de falência. Também deve prever a liberação de eventuais garantias pessoais prestadas por pessoas naturais, para garantir os créditos dos credores que venham a subscrever ou aprovar esse plano alternativo. 

Na prática, trata-se de alteração substancial, já que a lei anterior condicionava a sugestão vinda dos credores à aceitação por parte da recuperanda, inviabilizando, muitas vezes, essa participação na construção do plano. A alteração, espera-se, ampliará o diálogo entre credores e devedor, além de servir de estímulo à apresentação de propostas mais razoáveis e equilibradas por parte da recuperanda. 

A deliberação tomada em Assembleia de Credores

Em linha com a recente necessidade de realização de audiências e reuniões de modo remoto, a nova lei prevê que qualquer deliberação a ser realizada por meio da Assembleia Geral de Credores poderá ser substituída, com idênticos efeitos, por termo de adesão firmado por credores suficientes a satisfazer o respectivo quórum de deliberação; votação por sistema eletrônico; ou outro mecanismo reputado suficientemente seguro pelo juiz.

Deveres do administrador

O administrador judicial adquiriu novas atribuições e deveres. Chama a atenção a alteração que acompanha a obrigação de entrega periódica de relatórios e informações ao Juízo, em relação ao andamento da recuperação. Não só deverá apresentar os dados coletados, como será responsável pela fiscalização da veracidade e conformidade das informações apresentadas. Ainda, compete ao administrador fiscalizar as tratativas de acordo e regularidade de negociações entre devedores e credores e assegurar que essas negociações observem o princípio da boa-fé para a solução construtiva de consensos. 

Compete ao administrador, para além disso, o dever de relacionar os processos e assumir a representação judicial e extrajudicial da massa falida, incluídos os processos arbitrais. 

Na falência, ainda há a expressa determinação para que apresente, no prazo de 60 dias após sua nomeação, um plano de realização detalhado dos ativos, com estimativa de tempo não superior a 180 dias a partir da juntada de cada auto de arrecadação. 

Produtor rural e recuperação judicial

Admite-se, com a nova lei, seja deduzido pedido de recuperação judicial por produtor rural, pessoa física ou jurídica, segundo critérios estabelecidos na própria legislação.

Regras específicas para a alienação de bens após a recuperação

Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor fica impedido de alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, salvo autorização judicial. A nova lei traz diretrizes específicas para o caso de ser autorizada a alienação desses ativos e, além disso, prevê que a alienação judicial de bens pelo devedor (conforme autorização judicial ou previsão no plano de recuperação judicial) não poderá ser anulada ou tornada ineficaz após a consumação do negócio jurídico, mediante o recebimento dos recursos pela recuperanda.

Renovação do prazo de suspensão de 180 dias, desde que a demora não seja atribuída à recuperanda

Outra alteração é a possibilidade de única prorrogação do “stay period” de 180 dias, período durante o qual as execuções contra o devedor são suspensas. A norma busca garantir maior rapidez e segurança jurídica, evitando-se as inúmeras e sucessivas prorrogações desse prazo, como vinha ocorrendo na vigência da lei anterior.

Autorização de empréstimos e garantias

Outra relevante alteração trazida com a nova lei é a possibilidade de tomada de empréstimos durante a recuperação judicial, dependente de autorização judicial. Esse empréstimo poderá ter como garantia a oneração ou alienação fiduciária de bens e direitos do devedor ou de terceiros (incluídos os credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo devedor), pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as atividades da recuperanda, as despesas de reestruturação ou preservação do valor dos ativos. Em eventual falência do devedor, o crédito decorrente desse financiamento terá prioridade sobre as demais obrigações extraconcursais e concursais do devedor, exceção feita às despesas essenciais à administração da falência e créditos trabalhistas de natureza salarial, vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários-mínimos por trabalhador. A medida facilita a retomada do fluxo de caixa e a renegociação das dívidas fiscais da empresa.

Consolidação da recuperação, no caso de grupo econômico de fato ou de direito

Os devedores que atendam aos requisitos legais e que integrem grupo sob controle societário comum poderão requerer a recuperação judicial mediante consolidação processual. Essa consolidação gera a coordenação dos atos processuais, mas garante a independência dos devedores, dos seus ativos e passivos. A previsão legal, inclusive, é pela realização de Assembleias Gerais de Credores independentes. Excepcionalmente, o juiz poderá autorizar a consolidação substancial de ativos e passivos de devedores que integrem o mesmo grupo econômico, quando constatar que há interconexão e confusão entre ativos e passivos, de modo que não seja possível identificar sua titularidade, sem gastos excessivos de recursos e tempo, segundo o preenchimento de determinados requisitos.

Desconsideração da personalidade jurídica em relação aos sócios da empresa devedora, com a decretação da falência

A nova lei fez menção específica sobre a desconsideração da personalidade jurídica, sem, no entanto, estabelecer particularidades deste instituto no âmbito da falência ou da recuperação. Ao oposto disso, previu a sua vinculação aos requisitos do art. 50 do Código Civil e aos procedimentos previstos nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, inaplicável apenas a suspensão do processo. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é instituto diverso da extensão dos efeitos da falência, nos casos em que há a responsabilidade ilimitada dos sócios, ou mesmo da responsabilidade pessoal dos sócios nas sociedades de responsabilidade limitada.

Recuperação extrajudicial

Acrescentou-se aos créditos sujeitos à Recuperação Extrajudicial aqueles de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho, desde que haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional. A nova lei, ainda, reduz o quórum necessário à homologação do plano de recuperação extrajudicial para mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano. Além disso, as regras do “stay period” previstas para a recuperação judicial passam a ser aplicáveis ao processo de recuperação extrajudicial. A nova lei possibilita que sejam apresentados, com o pedido inicial, comprovação da anuência de apenas 1/3 dos créditos abrangidos, com a concessão de prazo de 90 dias para que o devedor atinja o quórum legal.

Insolvência transnacional

A nova lei estabelece um capítulo para tratar da insolvência transnacional, com vistas a proporcionar a cooperação entre juízes e autoridades competentes do Brasil e outros países; aumentar a segurança jurídica para a atividade econômica e o investimento; promover a justa e eficiente administração dos processos de insolvência transnacional, protegendo os interesses de todos os credores e dos interessados, inclusive do devedor; proteger e maximizar os ativos do devedor e os investimentos; otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos da empresa. Foram estabelecidas regras específicas relativamente ao acesso à jurisdição brasileira por representantes estrangeiros, as formas de comunicação e cooperação entre autoridades e representantes estrangeiros, além do processamento de processos concorrentes. 

As medidas de assistência aos processos estrangeiros são meramente exemplificativas, de modo que outras podem ser requeridas ou promovidas diretamente pelo administrador judicial, com a imediata comunicação nos autos.

Parcelamento de dívidas tributárias e transação

Com a nova lei, vieram estabelecidos regimes específicos de parcelamento de obrigações tributárias do devedor, incluindo a possibilidade de seu pagamento em até 120 vezes, com eventual utilização de prejuízo fiscal, base de cálculo negativa de CSLL e créditos próprios, conforme o caso e segundo as hipóteses legais.

Alternativamente, o devedor poderá apresentar à Procuradoria-Geral da Fazenda proposta de transação relativamente aos créditos inscritos em dívida ativa da União, estabelecido prazo máximo de parcelamento de 120 meses (podendo ser estendido para mais 12 meses quando o devedor desenvolver projetos sociais nos termos das regras da transação tributária), e desconto máximo de 70%. Caberá à autoridade fiscal apreciar a proposta de transação, segundo juízo de conveniência e oportunidade, respeitados os critérios previstos na lei e em atos regulamentares.

Para evitar-se o inadimplemento tributário, há previsão de que a Fazenda Nacional peça a convolação da recuperação judicial em falência, no caso de descumprimento do parcelamento fiscal ou do acordo celebrado. Sobre o tema, certamente muitas questões ainda deverão ser debatidas, a exemplo da possibilidade ou não de decretação de falência de empresa que tenha descumprido suas obrigações fiscais, assumidas no âmbito da recuperação judicial, muito embora esteja em dia com as demais obrigações perante os demais credores.

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Os desafios são muitos, mas espera-se que a modernização da Lei 11.101/2005, de fato, venha em socorro à atividade empresarial, proporcione agilidade e segurança jurídica no soerguimento das empresas em crise ou, quando não, confira maior efetividade em sua liquidação.

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