As mudanças legislativas da Lei n. 13.467/2017 declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal
Bruna Mafioleti
No quarto artigo da série especial sobre os 5 anos da Reforma Trabalhista, trataremos de relevantes alterações ocorridas, mas que tiveram sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que tais dispositivos não estão sendo aplicados nas ações em curso.
As limitações à concessão do benefício da justiça gratuita trazidas pela Reforma, bem como a possibilidade de condenação do reclamante ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor dos procuradores dos réus, mesmo que beneficiário da justiça gratuita, estavam entre as alterações mais relevantes em matéria processual. Evidente que a medida causou grande temor e insegurança aos reclamantes e, ao mesmo tempo, uma grande expectativa para os réus, que vislumbravam na medida uma redução no número de ações e, principalmente, de pedidos das ações trabalhistas, o que de fato se concretizou.
Justamente por tais motivos, verificou-se que o maior objeto das diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) recaiu sobre os dispositivos que tratavam dessas limitações à concessão do benefício da justiça gratuita, bem como da possibilidade de condenação em honorários sucumbenciais à parte reclamante, inclusive de forma parcial, e mesmo que beneficiária da justiça gratuita.
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O julgamento acerca da constitucionalidade de tais dispositivos ocorreu na ADI 5766, em 20 de outubro de 2021. Na ocasião, o STF, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado para declarar inconstitucionais os artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ficaram vencidos, em parte, os ministros Roberto Barroso (relator), Luiz Fux (presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes.
Importante ressaltar que nesse mesmo julgamento, por maioria, foi julgada improcedente a ação no tocante ao artigo 844, § 2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. O referido dispositivo dispõe que, caso o reclamante não compareça na audiência inaugural, ele será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 da CLT, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.
O artigo 790-B, caput, previa que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita. No entendimento do ministro Alexandre de Morais, a cobrança de honorários periciais, até mesmo ao beneficiário da justiça gratuita, fere o princípio constitucional previsto no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, o qual dispõe "O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".
Já o § 4º do artigo 790-B previa que somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderia pelo encargo dos honorários periciais.
Na prática, o referido dispositivo acarretava uma redução dos pedidos que demandavam prova pericial, por exemplo, de insalubridade, periculosidade e doença ocupacional. Com a definição da inconstitucionalidade, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários de perito retorna à União, quando o reclamante for beneficiário da justiça gratuita e a prova técnica tenha sido desfavorável ao seu pedido.
Já o artigo 791-A, § 4º da CLT, previa a sucumbência recíproca, ou seja, o réu pagaria honorários de sucumbência aos procuradores do autor sobre os valores dos pedidos procedentes da reclamatória, enquanto o autor pagaria, aos procuradores do réu, honorários de sucumbência sobre aqueles pedidos julgados improcedentes, ou até parcialmente procedentes. Neste caso, o valor devido pelo reclamante seria deduzido de seus créditos recebidos na ação ou em outro processo.
Somente em casos de inexistência de créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficariam sob condição suspensiva de exigibilidade e poderiam ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
Sobre o tema, o ministro Alexandre de Morais e a maioria dos ministros que acompanharam seu voto, decidiram que é inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador na mesma ou em outra relação processual. Em seu entendimento, não se pode ter a presunção absoluta de que um trabalhador, ao vencer determinado processo, já se tornou autossuficiente.
Dessa forma, o que se verifica é que um dos objetivos principais da Reforma Trabalhista não foi alcançado, que era a redução do número de ações com diversos pedidos muitas vezes sem cabimento, eis que na prática é concedido a praticamente todos os reclamantes os benefícios da justiça gratuita, com exceção de prova em sentido contrário, prova essa que se mostra muitas vezes difícil no caso concreto, já que se presume como verdadeira a simples declaração de insuficiência de recursos.
Outrossim, outro objetivo que era evitar a banalização dos pedidos que demandavam a prova pericial restou prejudicado, já que não ficará a encargo da parte autora eventual custo em caso de indeferimento do pleito, desde que beneficiária da justiça gratuita.
Não obstante, apesar do grande avanço de finalmente os honorários sucumbenciais serem possíveis na Justiça do Trabalho, o que se observa na prática é que houve um desequilíbrio entre os advogados das partes, vez que apenas os advogados da parte autora estão recebendo os honorários sucumbenciais da parte ré, visto que os honorários sucumbenciais do advogado da parte ré, apesar de muitas vezes devido, não estão sendo executados.
Isso ocorre porque, na maioria dos casos, a parte autora continua sendo beneficiária da justiça gratuita com simples declaração de hipossuficiência e não há possibilidade de abatimento dos créditos devidos no processo principal ou em outro em virtude de tal condição, mesmo que tenha recebido valores muito superiores ao valor devido a título de honorários sucumbenciais. Nesses casos, o processo fica suspenso por dois anos, mas só é possível o advogado da parte ré pleitear o pagamento se houver prova da modificação da situação de beneficiário da justiça gratuita, o que se mostra de difícil acesso na maioria dos casos.
Os impactos das decisões de inconstitucionalidades desses dois importantes temas trazidos pela Reforma Trabalhista ainda estão sendo objeto de estudo e discussões judiciais. De qualquer forma, mantidas as premissas definidas pelo STF, infelizmente abre-se caminho para que as ações trabalhistas retornem ao seu antigo formato com inúmeros pedidos temerários e sem embasamento fático, já que não haverá mais qualquer tipo de responsabilização financeira do reclamante por pedidos improcedentes.
No próximo artigo trataremos de outros temas e alterações relevantes advindos da Reforma Trabalhista e não abordados até o momento em outros artigos.
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