Skip to main content

A “Lista Suja” do MTE e o trabalho em situação análoga à escravidão no Brasil

Publicado em 21 Janeiro 2025

Transcorrido mais de um século desde a abolição formal do sistema de exploração escrava no Brasil, ainda se verificam milhares de casos de trabalhadores em situação análogas à escravidão no Brasil. Dados coletados e compilados na “Iniciativa Smartlab”, projeto formado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Ministério Público do Trabalho (MPT), indicam que desde 1995 a 2023, já foram localizados 63.516 trabalhadores em referida situação. 

Na visão contemporânea, o trabalho escravo vem atrelado à ideia de condições indignas de trabalho e habitação, restrição do direito de locomoção do trabalhador, jornadas exaustivas de trabalho, entre outras formas de limitação de seus direitos mais básicos.

O trabalho análogo à escravidão também afeta diretamente a economia, através da prática atualmente conhecida como dumping social, quando ao desrespeitar as condições mínimas de trabalho, os custos ao empregador são drasticamente reduzidos, permitindo preços atrativos e, consequentemente, facilitando a aferição de lucro e crescimento das empresas que adotam tais práticas. 

Considerando a sensibilidade do tema, o Ministério do Trabalho e Emprego criou a chamada “Lista Suja”, existente desde outubro de 2004, na qual constam as empresas que direta ou indiretamente foram beneficiadas com a mão-de-obra de trabalhadores em situações análogas à escravidão, que foi julgada definitivamente constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2016, na ADPF 509.

Existe ampla discussão quanto à responsabilização das empresas pelo implemento de trabalho análogo à escravidão, especialmente quando os trabalhadores são terceirizados, entretanto, a jurisprudência é majoritária no sentido de responsabilizar a contratante/tomadora de mão-de-obra, independentemente de comprovação de ato ilícito, má-fé ou ilegalidade de contratação.

A responsabilidade da tomadora de serviços pode se dar de forma subsidiária, assumindo os encargos trabalhistas diante de inadimplência da contratante, que responde como devedora principal; ou de forma solidária, respondendo ambas as empresas pela integralidade do crédito, podendo tanto a tomadora de serviços quanto a contratante serem demandadas.

A argumentação de que as tomadoras não teriam conhecimento das condições trabalhistas exercidas pela terceirizada há muito já foi superada pela jurisprudência pacífica do TST e, mais recentemente, pela própria legislação, sendo dever da tomadora zelar pela segurança e saúde do trabalhador, bem como fiscalizar as atividades da terceirizada como consequência do risco assumido pelo contrato firmado.  

Usualmente a violação não atinge somente um indivíduo, mas sim grupos, classes ou comunidades, como observado em diversos casos recentemente noticiados, a exemplo do resgate de 207 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em atividades relacionadas à colheita de uva na serra gaúcha e envolvendo as maiores vinícolas e produtores do Estado. 

Segundo relatado no site do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPTRS), em 23 de fevereiro de 2023, os ilícitos foram relatados após um grupo de trabalhadores terem conseguido fugir dos seus alojamentos e noticiado a situação de trabalho a agentes da Polícia Rodoviária Federal, sendo que com o início da investigação, foram contabilizados o total de 192 trabalhadores em situação análoga à escravidão, número que aumentou para mais de 200 posteriormente.

Mais recentemente, em outubro de 2024, o cantor Leonardo também foi incluído na “Lista Suja”, quando seis trabalhadores foram resgatados em uma fazenda de sua propriedade no estado de Goiás. Ressalte-se que neste caso, o cantor sequer era o empregador direto ou contratante da mão-de-obra dos trabalhadores, tendo em vista que sua propriedade estava arrendada para terceiros e que foram os responsáveis diretos pelas irregularidades. 

O cantor alegou que não tinha conhecimento das práticas de trabalho escravo em sua propriedade, que teriam ocorrido por ação/omissão do arrendatário, mas para evitar qualquer discussão e prejuízo aos trabalhadores, pagou a indenização devida aos seis funcionários quando o Ministério Público o alertou sobre o caso e firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Verifica-se que medidas como a Lista Suja assumem papel central no equilíbrio não só das relações de trabalho, mas também de consumo, ao elaborar medidas e diretrizes que realocam o foco - aqui analisadas principalmente relações de empregados com empresas de grande porte - dos custos trabalhistas inversamente proporcionais ao lucro obtido, para uma espécie de antropocentrismo resgatado em meio à vantagem econômica tanto visada no meio consumerista.

Ainda, demonstra-se a necessidade de fiscalização por parte das empresas quando da contratação de fornecedores, analisando a idoneidade de toda a cadeia produtiva, evitando-se não somente os óbvios danos sociais aos trabalhadores decorrentes das violações por terceiros, mas também o desgaste da imagem das empresas quando da ocorrência de situações similares, ainda que ausente qualquer culpa direta no ocorrido.

Área relacionada: