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Juizo 100% Digital: novas áreas no Poder Judiciário e na atuação advocatícia

Publicado em 16 Setembro 2021

Na mesma linha das sucessivas normatizações que flexibilizaram a prática dos atos processuais, permitindo a manutenção das atividades do Poder Judiciário durante a pandemia, o Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução 345/2020, implantou o chamado “Juízo 100% Digital”.

O objetivo foi autorizar a prática dos atos processuais exclusivamente por meio eletrônico e remoto pela rede mundial de computadores. A princípio, a adesão pelos Tribunais foi praticamente imediata. Posteriormente, nova regulamentação do CNJ, desta feita para implantar o chamado “Balcão Virtual”, através da Resolução 372/2021, disciplinando o atendimento a ser prestado para partes e advogados.

De tal breve histórico, nota-se que em menos de 2 anos pós-pandemia e menos de 1 pós “Juízo 100% Digital”, já se constroem novas faces procedimentais, as quais permitirão em médio e longo prazo, redesenhar a estrutura do Poder Judiciário.

Consagrada obra acadêmica, o Livro “Teoria Geral do Processo”, que na sua clássica versão tinha como autores Cintra, Grinover e Dinamarco, trazia o conceito de jurisdição, como o papel do Poder Judiciário, dizer/aplicar o direito ao caso concreto. Mais ainda, explicava que a jurisdição era norteada por vários princípios formativos, dentre eles, a aderência ao território, restringindo a atuação do magistrado nos seus limites geográficos.

Com a prevalência do “Juízo 100% Digital”, um pouco dessa clássica doutrina será quebrada. Não se justificará a manutenção da estrutura física e de algumas competências jurisdicionais territoriais. Não fará sentido a instituição de uma complexa estrutura cartorária e a própria figura do magistrado, (em plantão diário e físico), quando, em uma comarca, o emprego do processo clássico e presencial for mínimo.

Mudanças podem surgir com o Juízo 100% Digital

Por mais que a própria Resolução 345/2020 tenha estabelecido que o “Juízo 100% Digital” não altera as regras de competência, gradativamente, a opção por esse caminho vai esvaziar o formato tradicional do processo. Via de consequência, vai alterar, de forma significativa, a atuação do Poder Judiciário, principalmente em comarcas menores. Pela autonomia que é dada aos Tribunais para traçar a competência de seus órgãos, haverá espaço para cumulações de competências dentro de uma mesma seção judiciária ou até substituições interinas, realizadas virtualmente.

Por que não se cogitar, no futuro, a existência de órgãos jurisdicionais super especializados, funcionando a partir de uma repartição judiciária centralizada na sede do Tribunal? Também será realidade um super computador, (atuando remotamente, sob supervisão de um magistrado), solucionando casos concretos das mais diversas comarcas afetas a esse Tribunal. A Inteligência Artificial é uma ferramenta relativamente antiga nas Cortes e talvez o Projetor Victor, do STF, seja a sua expressão mais conhecida.

Não bastasse o argumento acima, lembre-se que a própria Resolução 345/2020 justifica a criação da ferramenta em prol da “racionalização da utilização de recursos orçamentários pelos órgãos do Poder Judiciário”. Certo que o sistema também objetiva a otimização de gastos, mormente em um sombrio período financeiro que o Estado vive. Diferente não seria com o Poder Judiciário, quando 1/3 das demandas são amparadas pela justiça gratuita, sendo tal percentual de 50% na Justiça do Trabalho, conforme dados do próprio Conselho Nacional de Justiça (https://www.cnj.jus.br/custas-judiciais-regras-para-equilibrar-acesso-e-gastos-da-justica/).

Em outros tempos, a dúvida questionaria a efetividade do sistema, mas, forçosamente, toda a sociedade, o Poder Judiciário e a advocacia, imergiram-se compulsoriamente nos meios digitais desde o ano passado. Ou seja, a fase “de laboratório” foi vencida e o sistema, já maturado, vigora plenamente.

A Falta de um Sistema Unificado

Em que pese à assertividade do modelo, talvez, faltou ao Conselho Nacional de Justiça construir o formato desse novo processo em uma única plataforma. A liberdade dada a cada Tribunal contribuiu para que a “colcha de retalhos” de sistemas processuais adotados persistisse. O germe do “Juízo 100% Digital” poderia ser o do “Juízo 100% Digital Unificado”. Permitindo-se futura concentração/otimização dos serviços judiciários em um sistema único, facilitando a vida das partes e advogados.

Outra crítica que merece ser externada, é a ausência de implantação do sistema por lei ordinária, dentro das competências próprias à União, previstas no artigo 22, I da Constituição Federal. A liberdade dada à cada Corte para estabelecer quais meios eletrônicos e remotos são idôneos aos sistemas, dificultará o controle de legalidade dos atos processuais, especialmente, quando se alegar alguma nulidade e tal debate chegar ao Superior Tribunal de Justiça. Uma mini reforma processual traria muito mais segurança jurídica e contribuiria para a unificação dos procedimentos país afora.

A Aplicabilidade da Resolução

Críticas à parte, o caminho indicado pela Resolução 345/2020 é acertado e impactará na determinação dos contornos de um novo Poder Judiciário. Ou seja, não se trata de automatização da atividade jurisdicional, mas a compatibilização dela com os tempos digitais.

Assim, evidentemente, cabe à sociedade e especialmente à advocacia, perceber as demandas ou  especializações em que o Juízo 100% Digital não se mostra recomendável, até porque ele é opcional. Áreas sensíveis, quando a conciliação, mediação e produção de provas precisam ser realizadas “olho no olho”, não deverão seguir esse formato.

De qualquer forma, ainda que adotado o meio digital, a pessoalidade, técnica e artesanalidade da atuação advocatícia não serão superadas. Apenas encontrarão um espaço para exercício mais rápido e assertivo.

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