10 anos da Lei Anticorrupção: panorama geral, avanços e desafios
Ana Paula de Mattos Pessoa Ribeiro
A Lei n. 12.846 (Lei Anticorrupção), de 1º de agosto de 2013, completou 10 (dez) anos. Passada uma década, é possível fazer uma análise dos avanços conquistados e dos desafios ainda a serem enfrentados no combate à corrupção no país.
Referida legislação representou um marco importante e histórico para o Brasil, prevendo, de forma objetiva (sem a necessidade de prova de dolo ou culpa), a responsabilidade das pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção contra a administração pública – o que não exclui a responsabilização individual dos seus dirigentes ou administradores, ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe de tais atos, neste caso de modo subjetivo (ou seja, na medida de sua culpabilidade).
A lei estabelece sanções administrativas severas, como a aplicação de multa (no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos), além da publicação extraordinária da decisão condenatória. Nessa mesma linha, também previu que a responsabilidade administrativa atribuída à pessoa jurídica não afasta a sua responsabilização na esfera judicial, que poderá incluir o perdimento de bens, direitos ou valores provenientes da infração; a suspensão ou interdição parcial das atividades empresariais; a proibição de receber incentivos e subsídios de órgãos públicos por até 5 (cinco) anos e, em casos mais graves, a dissolução compulsória da pessoa jurídica.
Para além disso, a Lei Anticorrupção cuidou de detalhar os procedimentos para acordos de leniência, estimulando a autorregulação e a recuperação dos recursos desviados.
De modo geral, essa legislação estabeleceu normas mais rigorosas de transparência e governança corporativa, contribuindo para a prevenção da corrupção no setor empresarial. Por isso mesmo foi considerada, em grande medida, responsável por fomentar a implementação de cultura de integridade e adoção de programas de compliance pelas empresas brasileiras.
Dentre tantos outros fatores determinantes para a dosimetria de eventual penalidade está, justamente, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, que podem mitigar os efeitos das sanções previstas na lei.
O Decreto n. 11.129/2022, que mais recentemente entrou em vigor, pretendeu regulamentar a Lei Anticorrupção, prevendo regras para a aplicação das sanções cabíveis, além de procedimentos e critérios para a celebração dos acordos de leniência.
A aplicação da Lei Anticorrupção e de seu decreto regulamentador representa uma conquista de parte das autoridades brasileiras, incluindo o Ministério Público e os órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU). A forma como essas sanções são aplicadas dependem das circunstâncias de cada caso e da gravidade das infrações cometidas.
Pesquisa recentemente conduzida pela Transparência Internacional – Brasil e Quaest, realizada com 100 das 250 maiores empresas brasileiras, revelou que a aprovação da Lei Anticorrupção alcançou patamares bastante elevados, sendo chancelada por cerca de 95% dos entrevistados. No entanto, esses mesmos executivos consideram que os sistemas de integridade existentes ainda são modestos, havendo bastante espaço para aprimoramento.
A pesquisa também revelou que há uma grande preocupação com eventuais retrocessos legislativos: 71% dos entrevistados apontam que o potencial afrouxamento da Lei das Estatais é um risco alto para os sistemas de compliance das empresas.
De fato, a legislação representou grandes avanços no que toca ao combate à corrupção, mas há ainda muito a se aprimorar: a regulamentação da legislação nos estados e municípios; a adoção e o incentivo à criação e manutenção de sistemas de integridade efetivos pelas empresas; maior segurança jurídica aos acordos de leniência celebrados; mais objetividade e transparência na aplicação dos critérios considerados para a diminuição das sanções, especialmente em razão da aplicação dos programas de compliance; dentre outras questões igualmente relevantes.
Trata-se de um processo contínuo, que exige o compromisso de todas as partes envolvidas, incluindo governo, setor privado e cada um dos cidadãos brasileiros. É fundamental, nesse sentido, fortalecer as instituições de combate à corrupção e incentivar e promover uma cultura de integridade e ética em todos os setores da sociedade brasileira.
Mais especificamente, as empresas devem estar comprometidas e dedicadas a criar, fomentar, difundir e incentivar políticas robustas de integridade e conformidade. Com a ampla adoção e difusão desses programas, certamente será muito mais difícil que os efeitos da lei sejam atenuados.
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