Resolução CVM 175: novo marco na regulamentação de fundos de investimento no Brasil
Maria Eugênia Kroetz
No final de dezembro de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou sua Resolução n. 175 propondo um novo marco na regulação de fundos de investimento no Brasil. A norma vem como uma resposta à necessidade de regulamentação imposta pela Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/19) e, em suas mais de duzentas páginas, traz disposições sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como normativas a respeito da prestação de serviços para esses veículos de captação e circulação de capital. A Resolução CVM 175 é fruto de um trabalho intenso de diálogo entre o regulador, o autorregulador, notadamente a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), o setor privado e a constante preocupação com o investidor do mercado de capitais brasileiro. Algo que se reflete no material produzido desde 2019 e documentado nas audiências públicas 8/20 e 8/21, patrocinadas pela CVM.
Apesar da extensão da norma, ela tem o condão principal de regulamentar práticas já consolidadas no mercado e sistematizar o regime dos fundos de investimento em uma norma única, propondo um modelo de regime geral no qual as especificidades de cada tipo de fundo são previstas em forma de anexos. Assim, a Resolução CVM 175 emula a prática internacional e simplifica a regulação dos veículos. No momento, dois tipos de fundos foram regulados pela norma: os FFIs (fundos de ações, cambiais, multimercado e em renda fixa) e os FIDCs (fundos de direitos creditórios). Mas a tendência é que existam alterações no futuro para abranger outros tipos de fundos, como os FIPs (fundos de investimento de participação), acompanhando a dinamicidade dessa indústria.
Nota-se uma preocupação expressiva do regulador em garantir maior segurança jurídica na relação dos operadores e daqueles que se servem dos fundos de investimento. Não é por menos que, dentre as novidades trazidas pela norma, a limitação da responsabilidade de cada cotista ao valor das cotas subscritas, a aplicação clara do instituto da insolvência civil aos fundos, a eliminação da solidariedade entre os prestadores de serviços essenciais, com identificação clara das responsabilidades do gestor e do administrador, e a atribuição de responsabilidade ao gestor pela estruturação do fundo, bem como pela verificação do lastro dos direitos creditório, no caso do FIDC, estão entre as mais comentadas – e esperadas – pelo setor.
Outra mudança destaque na indústria é a possibilidade de os fundos contarem com classes e subclasses de cotas com patrimônios segregados para cada uma delas, com direitos e obrigações distintos dentro de um mesmo veículo. Tal iniciativa simplifica a estruturação dos fundos de investimento no mercado, trazendo aumento da transparência para os produtos apresentados para o investidor e exigindo mais eficiência e criatividade do gestor.
A dinamização é fomentada em outros dispositivos da regra, que também agregam no fator da concorrência da indústria de fundos brasileira. Por exemplo, no anexo referente ao FIF, a resolução abriu a possibilidades de investimento em outros ativos do mercado de capitais como os criptoativos, FIAGROs e os ativos ambientais (i.e. CBIOs e créditos de carbono). O FIF ainda conta com a ampliação de limites de concentração por tipo de ativo financeiro. Isso significa que fundos destinados, inclusive, ao público em geral podem aplicar até a totalidade de seu patrimônio em ativos financeiros no exterior, desde que cumpridos certos requisitos normativos.
Temas como insider trading, finanças sustentáveis, assembleia de cotistas, liquidez, remuneração, encargos e falência dos fundos e de necessidade de os direitos creditórios serem submetidos a registro também foram abordados pela norma.
Em poucas palavras, a Resolução CVM 175 buscou trazer maior simplicidade para regulamentação de fundos de investimento no Brasil, a fim de garantir mais segurança ao investidor final, diminuir custos de observância regulatória no setor e se aproximar da prática comparada de mercados de capitais mais amadurecidos. Na prática, revogou 38 normas antes em vigência no ordenamento jurídico brasileiro e vai demandar dos operadores da indústria de fundos nacional, que hoje já somam mais de 28 mil, de acordo com a ANBIMA, uma adaptação a temas já conhecidos e a estímulos de maior agilidade e eficiência, exigida principalmente do gestor, até abril de 2023 - data em que entra em vigor. Ao regulador permanece o desafio de repensar o regime informacional dos fundos de investimento e de criar uma prática coerente de tributação dos veículos nesse novo formato.