A cobertura de procedimentos fora do rol da ANS – efeitos da sanção da Lei n. 14.454/2022
Luiz Bernardo Kämpf Amaral
Luiz Bernardo Kämpf Amaral – Advogado inscrito na OAB/PR n. 114.304, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, especializando em Direito Contratual e Responsabilidade Civil pela Escola Superior da Advocacia da OAB Nacional.
O presidente Bolsonaro sancionou, no dia 21 de setembro, o projeto de lei federal que trouxe alterações à Lei Federal n. 9.656/1998, que dispõe sobre os planos privados de saúde, no que se refere aos critérios de cobertura de procedimentos médicos no âmbito da saúde suplementar, notadamente quanto ao denominado Rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar – agência reguladora responsável pelo setor de planos de saúde no Brasil).
Tal medida, embora venha sendo celebrada nos meios de comunicação como algo que “acaba com rol taxativo da ANS”, deve ser analisada pelo próprio texto da lei, ou seja, não como uma liberação irrestrita de todo e qualquer procedimento, mas sim a fixação de critérios, delimitados e bem definidos, para que eventual cobertura ausente do rol da ANS seja fornecida pelas operadoras de planos de saúde.
Isso se verifica da própria disposição legal, com a inclusão dos parágrafos 12 e 13 ao artigo 10 da Lei n. 9.656/98, cujos trechos de interesse são destacados abaixo:
- 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
- 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
Assim, ao contrário de eliminar ou desqualificar o rol da ANS, cuidou a nova lei, como consta do novel §12, de estabelecer que ele constitui uma “referência básica para os planos privados de assistência à saúde”, tal como constou nas Resoluções Normativas da ANS que disciplinaram o rol no decorrer dos anos.
Dessa forma, a liberação de procedimentos fora do rol fica condicionada aos termos do §13, quais sejam, (i) a comprovação científica da eficácia do tratamento pleiteado, ou (ii) a existência de recomendações pela autoridade brasileira competente, ou por órgão de renome internacional, desde que também aprovada aos seus nacionais.
Vale salientar que na história recente, casos como o da “pílula do câncer”, que se tornaram tristemente famosos pelas expectativas geradas – como bem observado pelo Conselho Regional de Medicina do Paraná em artigo –, ensinam a necessidade de cuidado com a liberação dos tratamentos pleiteados.
Sob a ótica da Análise Econômica do Direito, é um exemplo do conceito de trade-off. Ao optar pela simplificação da liberação de procedimentos fora do Rol da ANS, o legislador também aparenta optar pelo previsível aumento de despesas às operadoras de planos de saúde para que possam fazer frente às determinações legais.
Por fim, embora a nova disposição legal traga fundamentos favoráveis à liberação de procedimentos, pode-se esperar (i) a manutenção dos litígios no que se refere aos tratamentos que não preenchem os requisitos do §13, I e II, da Lei n. 9.656/98, e (ii) o aumento dos litígios referentes a reajustes de mensalidades, como reflexo dos custos adicionais advindos da lei.
1 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-09/presidente-sanciona-lei-que-acaba-com-rol-taxativo-da-ans. Acesso em: 22 set. 2022.
2 Conforme: https://www.gov.br/ans/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/quem-somos-1. Acesso em: 22 set. 2022.
3 A exemplo: https://extra.globo.com/economia-e-financas/bolsonaro-sanciona-projeto-que-acaba-com-rol-taxativo-da-ans-25576339.html. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/bolsonaro-sanciona-projeto-que-altera-rol-taxativo-da-ans/. Acesso em: 22 set. 2022.
4 À guisa de exemplo, a RN n. 428/2017: “Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde [...]”.
5 “A despeito de posições contrárias da Anvisa, do Conselho Federal de Medicina e de diversas sociedades médicas, as decisões do Poder Judiciário vêm colocando nas mãos de pacientes uma substância não reconhecida como medicamento, sobre a qual pouco se sabe”. Disponível em: https://www.crmpr.org.br/O-perigoso-caso-da-pilula-do-cancer-13-46821.shtml. Acesso em: 22 set. 2022.
6 “É nesse sentido que Posner apresenta (2007, p. 10-12) seu segundo princípio fundamental, qual seja a ideia de custos de oportunidade, ou trade off. Como aduz, ao realizar determinada escolha, deixa-se de realizar tantas outras que são concorrentes, cuja utilidade que se deixa gozar é o seu custo de oportunidade”. SANTANA, Paulo Victor Pinheiro de. Análise Econômica no Direito Brasileiro. Revista Lex Humana, Universidade Católica de Petrópolis, 2014, p.. 163.