Confiabilidade da Assinatura Eletrônica
Christiany Scarton
A pandemia de Covid-19 trouxe restrições nas interações pessoais e dificultou a assinatura física de documentos – essa medida incentivou e acelerou a utilização da assinatura eletrônica. Embora a infraestrutura da chave pública brasileira - ICP-Brasil, que constitui uma cadeia hierárquica de confiança e viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação virtual, tenha sido instituída há mais de 20 (vinte) anos, por meio da Medida Provisória n. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, a utilização de certificado digital costumava se restringir às pessoas jurídicas, advogados e contadores, em especial nas interações junto ao Poder Público.
As medidas provisórias têm força de lei e, embora a MP 2.200-2 não tenha sido convertida em lei, em razão de que estava vigente, na data da publicação da Emenda Constitucional 32, continua em vigor até que a medida provisória ulterior a revogue explicitamente ou até a deliberação definitiva do Congresso Nacional. A MP 2.200-2 estabelece que as declarações constantes dos documentos produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiras em relação aos signatários; porém, não há óbice para utilização de outros meios de comprovação de autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive por certificados que não foram emitidos pela ICP-Brasil, desde que reconhecido pelas partes como válido ou aceitos por quem receber o documento.
Posteriormente, e já no contexto da pandemia, a Lei n. 14.063, de 23 de setembro de 2020, objetivou disciplinar o uso de assinaturas eletrônicas nas interações com os entes públicos. O art. 4º da Lei n. 14.063 classificou as assinaturas eletrônicas em:
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Assinatura Eletrônica Simples: que permite identificar os signatários; e anexa ou associa os dados a outros dados em formato eletrônico dos signatários; devendo ser aceita nas interações com o ente público de menor impacto e que não envolvam informações protegidas por sigilo;
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Assinatura Eletrônica Avançada: que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil; devendo ser aceita no registro de atos perante as juntas comerciais; e
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Assinatura Eletrônica Qualificada: que utiliza certificado digital emitido pela ICP-Brasil, conforme previsão da MP 2.200-2; devendo ser aceita em qualquer interação com o ente público, independentemente de cadastro prévio.
A distinção entre os 3 (três) tipos de assinatura se refere ao nível de confiança da identidade e manifestação de vontade do signatário, sendo a assinatura eletrônica qualificada considerada, pela Lei n. 14.063, a que caracteriza o nível mais elevado de confiabilidade. As assinaturas eletrônicas realizadas com grau de confiabilidade maior do que o requisitado pela lei devem ser aceitos pelo órgão público.
O Decreto n. 10.543, de 13 de novembro de 2020, dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas na administração pública federal e regulamenta o nível mínimo de confiabilidade exigido nas assinaturas para as interações previstas na Lei n. 14.063, bem como prevê a possibilidade da realização de assinaturas eletrônicas pela plataforma governamental GOV.BR.
O Poder Judiciário, da mesma forma, entende que é válida a assinatura eletrônica nos documentos que regulamentam as interações entre pessoas naturais ou entre pessoas jurídicas de direito privado, mesmo que não utilizado certificado digital, conforme MP 2.200-2/2001, bem como em razão de que a Lei n. 14.063, embora discipline as relações com os entes públicos, corroborou a validade das assinaturas eletrônicas que não utilizam certificados emitidos pela ICP-Brasil. Neste sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSINATURA ELETRÔNICA. VALIDADE DO DOCUMENTO. Os executados impugnaram a assinatura presente no Contrato de Confissão de Dívida. Porém, apesar do alcance distinto, a assinatura eletrônica também garante segurança e autenticidade. Diferente da assinatura digitalizada, a assinatura digital/eletrônica tem o mesmo valor de uma realizada a próprio punho. A agravante não negou a contratação da confissão de dívida, o que fazia presumir sua validade. Isto é, em nenhum momento no recurso a parte negou que seu representante fosse o autor daquela assinatura digital. Incidência do §2º do artigo 10º da Medida Provisória 2.200-2/2001. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Turma Julgadora. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO.
(TJ-SP - AI: 20314981720228260000 SP XXXXX-17.2022.8.26.0000, Relator: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 07/04/2022, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/04/2022)
Plataformas de Assinaturas
Com o desenvolvimento das assinaturas eletrônicas, diversas plataformas surgiram com o objetivo de auxiliar com tais assinaturas e, em especial, criar um fluxo para facilitar a assinatura eletrônica em documentos com mais de um signatário. Cada plataforma pode possibilitar assinaturas eletrônicas com um ou mais níveis de confiabilidade e a escolha dependerá do que for necessário para cada documento.
A plataforma governamental GOV.BR (contas prata e ouro) também possibilita a realização de assinatura eletrônica qualificada de forma gratuita, através de certificado emitido pela AC do Governo Federal do Brasil.
Interação com as Juntas Comerciais
Com relação especificamente às Juntas Comerciais, na prática, apenas as assinaturas eletrônicas qualificadas e realizadas nas plataformas próprias têm sido aceitas. As assinaturas eletrônicas avançadas, ou realizadas por outras plataformas, são aceitas apenas quando o documento é reconhecido como original por advogado ou contador registrado nos respectivos órgãos de classe.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001. Institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, transforma o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/antigas_2001/2200-2.htm. Acesso em: 29 jul. 2022.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001. Altera dispositivos dos arts. 48, 57, 61, 62, 64, 66, 84, 88 e 246 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc32.htm. Acesso em: 29 jul. 2022.
BRASIL. Decreto nº 8.936, de 19 de dezembro de 2016. Institui a Plataforma de Cidadania Digital e dispõe sobre a oferta dos serviços públicos digitais, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8936.htm. Acesso em: 29 jul. 2022.
BRASIL. Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020. Dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, em atos de pessoas jurídicas e em questões de saúde e sobre as licenças de softwares desenvolvidos por entes públicos; e altera a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, a Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, e a Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14063.htm. Acesso em: 29 jul. 2022.
BRASIL. Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas na administração pública federal e regulamenta o art. 5º da Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020, quanto ao nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em interações com o ente público. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10543.htm. Acesso em: 29 jul. 2022.
OLIVEIRA, Guilherme. Cinquenta medidas provisórias de 2001 ainda estão válidas. Agência Senado, 2014. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/10/20/cinquenta-medidas-provisorias-de-2001-ainda-estao-validas. Acesso em: 29 jul. 2022.