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PLP 108/2024: a nova era do contencioso administrativo tributário no brasil

Publicado em 07 Agosto 2025

Com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 132/2023, o Brasil deu um passo decisivo rumo à modernização do seu sistema tributário sobre o consumo. No centro dessa transformação está a adoção do modelo de IVA Dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência subnacional (estados, DF e municípios).

Para regulamentar a operação do IBS, o Congresso Nacional instituiu o Projeto de Lei Complementar n.º 108/2024, que avança em sua tramitação no Senado. A proposta traz profundas alterações na estrutura do processo administrativo tributário, promovendo inovações, mas também suscitando críticas relevantes do ponto de vista federativo e jurídico.

Criação do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS)

Um dos pontos centrais do PLP 108/2024 é a criação do Comitê Gestor do IBS, previsto no artigo 156-B da Constituição Federal. Este órgão terá supercompetência sobre a administração do IBS, centralizando a fiscalização, o lançamento, a arrecadação, a compensação e o julgamento administrativo do imposto. Isso representa uma significativa redução da autonomia dos entes subnacionais, que passam a atuar de forma integrada e subordinada ao CG-IBS.

Processo administrativo: estrutura e princípios

O processo administrativo do IBS será eletrônico, padronizado e regido por princípios como: verdade material, ampla defesa, contraditório, motivação, segurança jurídica e razoável duração do processo (artigo 67). O prazo para impugnação do lançamento é de 20 dias úteis, contados da intimação — período considerado exíguo, dada a complexidade de muitas autuações. Trata-se de mudança significativa em relação ao modelo anterior, em que o prazo para apresentação da impugnação era, via de regra, de 30 dias corridos.

O CG-IBS também será responsável por editar regulamentos e interpretar a legislação do IBS de forma uniforme, além de gerir um sistema eletrônico único, compartilhado entre todas as administrações tributárias estaduais e municipais.

É importante observar que tributos como o ITCMD, o IPVA, o IPTU, as taxas e o ITR permanecem fora da esfera de competência do CG-IBS, mantendo seus próprios processos administrativos sob a gestão direta dos respectivos entes federativos.

Desistência do processo administrativo

O artigo 90 do PLP 108/2024 regulamenta as hipóteses de desistência do litígio na esfera administrativa, que pode ocorrer de forma:

  • Expressa, por pedido do contribuinte;

  • Tácita, nos casos de:

    • pagamento, parcelamento ou compensação do crédito em discussão;

    • ajuizamento de ação judicial sobre a mesma matéria;

    • ausência de impugnação ou recurso no prazo legal.

Importante destacar que, havendo mais de um interessado no processo administrativo, a desistência expressa alcança apenas aquele que a formular. Além disso, se o processo judicial e o processo administrativo tratarem de matérias distintas, a discussão administrativa continua em relação aos pontos não judicializados. Trata-se de um mecanismo que busca conferir agilidade e evitar litígios paralelos, mas que exige atenção estratégica por parte dos contribuintes.

Juros e forma de pagamento

Nos termos do artigo 52 do PLP 108/2024, os juros aplicáveis sobre o IBS serão calculados com base na taxa Selic acumulada mensalmente, a partir do dia seguinte ao vencimento do tributo até o último dia do mês anterior ao do pagamento. No mês do pagamento, incidirá adicionalmente o percentual de 1%. Essa sistemática reforça a uniformização dos encargos e se alinha à prática já adotada pela Receita Federal em relação aos tributos federais.

Estrutura de julgamento e voto de qualidade

O contencioso administrativo será composto por:

  • 1ª instância: câmaras virtuais paritárias entre representantes estaduais e municipais;

  • 2ª instância: mesma composição, com acréscimo de representantes dos contribuintes;

  • Instância de uniformização: integrada por representantes das administrações tributárias e dos contribuintes, com poder de editar provimentos vinculantes.

Foi mantido o voto de qualidade em favor do Fisco, o que contraria o princípio do in dubio pro contribuinte. Ainda assim, o contribuinte poderá pagar o valor exigido em até 90 dias, com exclusão de juros, multas e sem necessidade de garantia judicial.

Limitações, críticas e impactos

O PLP 108/2024 veda o afastamento de normas por inconstitucionalidade ou ilegalidade pelas autoridades administrativas. Essa previsão tem sido amplamente criticada por comprometer o devido processo legal e tornar o contencioso administrativo uma instância meramente homologatória.

Além disso, embora o projeto reforce a integração entre as esferas federativas, há um claro desequilíbrio representativo em favor da União, inclusive no compartilhamento de dados e nas estruturas de harmonização (CHAT e FOHJUP), nas quais não há participação da sociedade civil.

Conclusão

O PLP 108/2024 inaugura um novo paradigma no contencioso administrativo tributário brasileiro, com potencial de aumentar a eficiência e a padronização da atuação fiscal. No entanto, as restrições ao controle de legalidade, a centralização excessiva e a assimetria federativa merecem atenção e debate.

No Hapner Kroetz Advogados, seguimos acompanhando de perto cada passo da implementação da Reforma Tributária, prestando assessoria estratégica para que nossos clientes compreendam e se adaptem às novas exigências.

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