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Faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço

Publicado originalmente no portal CONJUR em 25/10/2020

A Nota Técnica 17/2020

Sete meses após o início da pandemia da Covid-19, o Ministério Público do Trabalho publicou a Nota Técnica 17/2020, que veio mais para confundir do que clarear as relações trabalhistas neste momento em que mais de 7,8 milhões de trabalhadores brasileiros permanecem trabalhando remotamente. As 17 recomendações da NT, que não têm força de lei, mas orientam a atuação dos procuradores do Trabalho, apresentam excessos e previsões contrárias à própria legislação trabalhista ao indicar diretrizes que não possuem embasamento legal e que podem acarretar um desincentivo à adoção do regime de teletrabalho. 

Qual o impacto na saúde pública teria a volta desses 7,8 milhões de trabalhadores brasileiros ao trabalho presencial, usando o transporte coletivo e os restaurantes no entorno das sedes do trabalho? Qual a responsabilidade do MP do Trabalho nisso? É o que pretendemos abordar. 

De início, é preciso chamar a atenção para o fato de que as recomendações do MP para os seus servidores não são as mesmas da nota técnica. A Resolução 157/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público já regulamentava o trabalho dos servidores do MP que atuam em regime de teletrabalho. A NT 17/2020, curiosamente, vai contra as próprias resoluções aplicáveis aos servidores do MPT. A título de exemplo, para os servidores do MP não há qualquer tipo de determinação acerca de controle de jornada, escalas de trabalho, modelos de etiqueta digital ou recomendações de ergonomia no teletrabalho, como ocorre na nota técnica.  

Diversos dos pontos trazidos pela NT já possuem previsão legal específica, como por exemplo a necessidade de aditivo contratual, manutenção e fornecimento de equipamentos tecnológicos e infraestrutura, bem como de eventual reembolso de despesas para os empregados em teletrabalho. Igualmente, as obrigações quanto à ergonomia nas atividades de telemarketing há muito já estavam previstas na NR-17. 

Outros itens trazem indicações genéricas sobre questões que não são tratadas em qualquer legislação, a exemplo de parâmetros de design das plataformas de trabalho online, formatação de reuniões online, ritmo das atividades, compatibilização de horário de trabalho com atividades familiares, direito de imagem e voz dos empregados, entre outras previsões. 

Por fim, verifica-se ainda a indicação de pontos aparentemente contrários às próprias previsões legais, especialmente no que diz respeito à observância dos parâmetros de ergonomia e condições físicas do trabalho.  

O excesso de recomendações com conceitos genéricos, não estabelecidos em lei, somente traz maior insegurança jurídica para as relações de trabalho, além de receio dos empregadores relacionados a possíveis fiscalizações e ações do Ministério Público do Trabalho, principalmente em situação emergencial de transferências de mais de oito milhões de trabalhadores de seus postos de trabalho para o trabalho remoto. 

A título de exemplo, o artigo 75-E da CLT indica de forma clara que "o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho".  

Em sentido contrário, a nota aparenta indicar que caberia à empresa a responsabilidade de observância de todos os parâmetros ergonômicos e postura física de seus empregados, inclusive mediante fiscalização dos "locais de trabalho remoto", comumente as residências dos empregados, conforme item 3 da NT. 

Obviamente que, dentro da realidade de cada empregador, é sempre elogiável a adoção de medidas complementares como, por exemplo, treinamentos periódicos e atividades de ginástica laboral à distância, buscando fornecer maiores condições de saúde e segurança aos trabalhadores. 

Entretanto, recomendações e diretrizes em excesso podem causar justamente o efeito contrário do esperado. Ao invés de aperfeiçoar a utilização do teletrabalho, acabariam por desincentivar a sua adoção por parte do empregador e antecipar o retorno de seus empregados às atividades presenciais. 

Destacando-se mais uma vez a natureza urgente da mudança para o regime de teletrabalho, a atuação dos operadores do Direito e dos órgãos de fiscalização deveria ser no sentido de facilitar a adoção do modelo e buscar alternativas consensuais de melhoria, o que não parece ter sido observado pela NT em discussão. 

É importante ter em mente que a adoção do teletrabalho é por vezes a única forma da própria manutenção do emprego, além de certamente a melhor opção para proteção da saúde dos mais de 8 milhões de empregados que estão praticando o isolamento social sem prejuízo de seu trabalho durante o período de pandemia.  

Resta evidente que a adoção desse novo modelo deve ser incentivada, seja com a utilização das previsões legais já existentes sobre o tema ou com o seu aperfeiçoamento, mas sem olvidar da importância da participação de todos os envolvidos e de se respeitar as realidades de cada atividade empresarial.  

Afinal, com uma maior previsibilidade e segurança jurídica para os envolvidos, o teletrabalho poderá permanecer como alternativa viável para além do período de pandemia, tornando-se uma realidade cada vez mais presente nas relações de trabalho.