Negócio jurídico processual
Publicado em 13 de Agosto de 2020
Paulo Sérgio Dubena
O reencontro da necessária segurança jurídica
Impossível sintetizar, sob qualquer modalidade expositiva, a peculiaridade desse 2020. O Brasil ansiava por uma retomada de seu crescimento, até como consequência das medidas de reestruturação tomadas no curso de 2019. Ainda que não concretizada no modo esperado, a reforma da Previdência Social fez soprar bons ventos.
A pandemia e as medidas para seu o combate, praticamente minaram o caixa do Estado e levaram a necessidade de se discutir inclusive, a criação de tributos. Como consequência, intensificaram-se os debates políticos, agora polarizados na discussão entre os progressistas, negacionistas e sanitaristas. A médio prazo, espera-se que a tão sonhada vacina contribua para a minimização dos efeitos desse “inesquecível” 2020.
A crise contribuiu para a derrocada de diversas organizações empresariais, mas evidentemente que a retomada gradual das atividades, implicará o surgimento e a reabilitação de tantas outras. São históricas as euforias dos períodos pós-guerras e não diferente será ao fim dessa batalha, que certamente será vencida.
Nesse momento é que os detentores do capital, os investidores e todos que anseiam por retomar a plena atividade, devem sair em busca de mecanismos aptos a outorgar-lhes segurança jurídica.
A modernização do Poder Judiciário, iniciada com a consolidação do processo eletrônico e recentemente, com a introdução (ainda que emergencial) de procedimentos como sessões e audiências virtuais, contribuiu para a consagração dos vetores da celeridade, da efetividade e da duração razoável do processo. Todavia, a tramitação processual ainda terá a marca de fases, trâmites burocráticos e procedimentos impostos.
Certamente, tudo o que não se deseja viver no momento da retomada são os percalços de uma demanda judicial, alongada no tempo e onerada por custos financeiros indesejados. Importante saber, sobretudo quando a judicialização da questão é inevitável, que existem algumas ferramentas, proporcionadas pela legislação processual, capazes de mitigar esses efeitos.
A figura do negócio jurídico processual, prevista no artigo 190 do Código de Processo Civil, é uma dessas ferramentas, já que possibilita que as partes estabeleçam previamente em seus contratos as regras processuais que deverão regular as futuras e eventuais demandas que decorrerem dessa relação jurídica. Assim, um contrato poderá ter duas modalidades de cláusulas: aquelas destinadas a regular a forma e o objeto do contrato e outras, destinadas a prever quais as regras processuais que regerão eventual e futuro litígio.
Um fornecedor poderá vender uma máquina, estabelecendo um negócio jurídico processual em que registrará, por exemplo, que é seu o ônus produzir prova em qualquer litígio judicial. Ou seja, uma lide poderá ser inaugurada sem que o adquirente tenha que arcar com os custos da prova, considerando que esse ônus, prévia e incontroversamente, pertence ao adverso.
A própria atuação do magistrado se revela diferenciada, na medida em que a sua intervenção será excepcional, exigida, em regra, quando constatada manifesta situação de vulnerabilidade. Com o negócio jurídico processual eliminam-se as surpresas de um processo judicial, mitigando-se muitos dos efeitos do tempo e da burocracia que permeia os trâmites do Poder Judiciário.
Muitas são as possibilidades de flexibilização procedimental, passando pela limitação da intervenção de terceiros, uso alternativo dos meios de intimação, prazo reduzido para contestação, indicação prévia e consensual de meios de prova e do perito etc. Do mesmo modo, algumas fases processuais podem ser excluídas, eliminando-se, por exemplo, a sessão de mediação/conciliação inicial, a fase de alegações finais e a necessidade da decisão onde se delibera pela especificação de provas, sendo ônus das partes apresentar a pertinência delas, desde a sua primeira manifestação no processo.
Infinitas são as alternativas quando se emprega o negócio jurídico processual. Cita-se derradeiramente o processo de execução, onde podem ser alongados os meios e as condições de parcelamento do débito ou limitar ferramentas como a penhora ou o próprio Bacenjud. São figuras que emprestam segurança àquele que receia sujeitar-se a um litígio futuro.
Com o negócio jurídico processual, na hipótese de litígio judicial, mostra-se possível antecipar os rumos e o tempo do processo, com mais segurança às relações jurídicas. Nas hipóteses onde a lei faculta a sua aplicação, o negócio jurídico processual pode livrar o empresário das amarras da burocracia e da formalidade judiciária, o que será essencial ao recomeço.