Astreintes: multa por descumprimento de ordem judicial e suas controvérsias

Paulo Sérgio Dubena
Em um processo judicial, pode ser determinada a aplicação de uma multa como forma de assegurar o cumprimento de uma ordem, especialmente em casos que envolvem a obrigação de fazer, não fazer ou entregar algum bem. Caso a determinação não seja atendida no prazo estabelecido, o réu fica sujeito ao pagamento do valor da multa, que é devida ao autor da ação. No meio jurídico, essa penalidade é conhecida como “astreinte” – derivação da expressão francesa que significa “pena”.
O contraste entre o valor fixado e sua execução no tempo
A explicação do tema seria simples, caso a regra da aplicação da multa “astreinte" fosse puramente matemática: a multa fixada foi de R$ 1.000 e o réu descumpre a ordem judicial por 10 dias. Logo, seriam devidos R$ 10.000 ao autor e a questão se restringiria à cobrança do valor final.
Entretanto, diversas questões controvertidas envolvem a aplicação e fixação desta multa, gerando acalorados debates judiciais. Como consequência, em alguns processos, a discussão central deixa de ser o próprio direito material discutido pelas partes, e torna-se a multa em si. É um acessório que acaba se tornando principal, ou, comparativamente, é um ator coadjuvante que se torna o astro do filme. É como se as partes deixassem de lado o próprio bem jurídico tutelado, destinando os seus esforços, estratégias e recursos em torno da multa “astreinte".
A desproporção da multa que supera o direito discutido
Cita-se como exemplo o emblemático julgamento do Superior Tribunal de Justiça (EAREsp nº 650536 / RJ), em que a discussão relativa ao reembolso de despesas médicas gerou a cominação de “astreintes” em valores equivalentes a 40 vezes o direito discutido, totalizando R$ 753.906, os quais posteriormente foram reduzidos para R$ 100.000. Nota-se a complexidade do debate que envolveu várias instâncias recursais e inúmeros julgadores, até a decisão final do tema, com grande dispêndio de tempo, recursos e energia.
Principais controvérsias sobre a aplicação das astreintes
A questão está muito longe da tranquilidade e, diariamente, vários pontos são debatidos nos processos judiciais que envolvem a multa “astreinte”:
1. Não há critério objetivo legal para a fixação do seu valor. Para a mesma situação de fato, fixam-se critérios aleatórios e até arbitrários. Cita-se, como exemplo, a ordem judicial para instituição bancária baixar uma negativação indevida. Para essa mesma situação, variam-se valores entre R$ 100 e R$ 500, por dia de descumprimento, sem lógica ou parâmetro.
2. Há limitação ou consolidação da multa em dias de descumprimento da ordem ou por recorrência do descumprimento, não se estabelecendo marco final para sua incidência. No primeiro caso, o réu/devedor, conhecendo os limites da multa, pode tratar com menoscabo o Juízo, abstendo-se de cumprir a ordem judicial por saber previamente que seu risco financeiro é limitado. Já na segunda hipótese, o próprio autor/credor pode preferir a inércia de se cumprir a ordem judicial, na tentativa de criar para si uma verdadeira conta corrente de multa.
3. Possibilidade de redução ou até afastamento da multa. A mesma discricionariedade na imposição da multa pode ocorrer na redução do seu valor, ainda que o réu/devedor descumpra a ordem judicial. O mecanismo até se mostra legítimo para se evitar que o autor/credor obtenha vantagem indevida com o processo, mas essa possibilidade eventualmente reduz o efeito coercitivo da “astreinte”.
4. Revaloração a qualquer tempo, até mesmo após o proferimento de sentença. Como regra geral, as decisões judiciais tornam-se imutáveis, com o trânsito em julgado. Todavia, em relação à “astreinte”, há exceção: o Superior Tribunal de Justiça entende que a decisão que comina astreintes não preclui nem faz coisa julgada. Em resumo: mesmo após sentença favorável ao autor, é possível a revisão judicial da multa, caso se constate que se tornou excessiva ou desproporcional.
Desafios jurídicos e a necessidade de regulamentação
Conclui-se que a fixação, incidência e cobrança da multa “astreinte” é assunto controverso e representa desafio diário nos processos judiciais. Até a consolidação do valor devido, tem-se um quadro de insegurança jurídica, com efeitos financeiros imediatos, uma vez que a multa pode ser cobrada pelo autor, obrigando ao réu que, ao menos, deposite o valor no processo, inclusive para a respectiva discussão.
O tema é relevante e merece receber atenção legislativa, especialmente para dar mais previsibilidade às questões relacionadas à fixação, alteração e modulação das astreintes, sob pena de os debates judiciais se perpetuarem, causando insegurança jurídica.
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